Esta é uma
história que os clientes do bar costumar contar, alguns dizem que é macabra,
outros que é um romance. Leia e descubra o que foi que aconteceu...
“Ela era
linda, de sorriso meigo e gentil”, dizia um rapaz pálido, enquanto chorava,
“Ela era a mais perfeita das mulheres, Serena... Sim! Que belo nome! Este era o
nome daquela moça que eu havia conhecido. Ela estava perdida, não sabia para
onde ir. Era noite de lua cheia, decidi ir com ela, para protegê-la caso algo acontecesse.
Ela sorria com muita doçura, tanta que eu jamais tinha visto, resplandecendo
mais que o luar. Sua pele era suave e me levava pelo braço como uma folha solta
no ar. Eu estava alegre, sentia meu corpo entorpecer com algo que não entendia,
mas me deixava levar. Veja, somos nós que estamos vindo por aquele caminho!”
O jovem
desaparecia, e a história continuava sobre os dois que se apaixonaram a
primeira vista, davam risadas a toa, como se a vida não passasse de uma grande
alegria. O céu estava limpo, fazendo da lua um holofote só para eles:
–Qual é o
seu nome? – Perguntou a moça, sorrindo abertamente.
–Meu nome é
Lorenzo. Engraçado, eu nunca te vi por aqui...
–É raro que
eu saia, apenas isso. Por isso me perco tão perto de casa. Vamos logo, estamos
no caminho certo. Não quero que fique muito tempo no frio da noite.
–Não se
preocupe bela dama, já andei muito por estes caminhos. Sei bem por aonde vamos,
logo a frente há uma casa abandona...
–Me
desculpe... – Interrompeu a moça. – A casa não é abandonada, é lá que eu moro...
–Perdoe-me
vós então pelo que vou dizer, há muito já entrei naquela casa quando menor e
nunca encontrei ninguém morando sequer pelas redondezas. A histórias sobre
criaturas medonhas que vivem deveras por estas bandas assustam qualquer coração
valente por tamanha ousadia. Dizem que nem os lobos ousam dormir por aqui por
causa das risadas incessantes que se ouve na calada da noite...
A moça
despontou a chorar, parada no meio do caminho com as costas dos braços no rosto
tentando não demonstrar sua tristeza:
–Aconteceu
alguma coisa, jovem donzela? Acaso me perdi demais em minhas palavras e deixei
escapar algo que não lhe convinha?
–É que... –
Tentava segurar o choro. – Minha família é muito pobre. Minha mãe morreu quando
eu nasci e desde que meu pai faleceu, perdemos nossa casa, e nos refugiamos, eu
e minhas irmãs, naquela velha cabana.
–Não chore
pobre moça, não sou de muitas riquezas, mas prometo-lhe que dividirei convosco
o que eu puder. – Lorenzo então tirou do bolso o lenço que carregava, bordado a
mão com as iniciais de seu nome por sua mãe e enxugou ele mesmo o rosto da moça
que tentava se esconder, desviando o olhar.
Seu rosto
era perfeito, seus olhos transmitiam-lhe certa decepção e languidez, o nariz
ela delicado como um floco de neve de inverno, as maçãs do rosto estavam
coradas, seu respiro quente era excitante demais. Lorenzo não se conteve, já
estava naquela ansiedade a tempo demais e beijou-a, com toda a ardência que seu
corpo tinha, tentando se conter para não assustar a moça. Parou por um
instante, temendo que quando abrisse os olhos sua repentina amada o desprezasse
e lhe fugisse dos braços. Quando finalmente abriu, viu que ela ainda permanecia
de olhos fechados e recostava sua face na palma de sua mão:
–Desculpe-me.
– Disse Lorenzo, tentando esconder o encabulamento, afastando-se da moça. – Sou
um estranho para a senhorita e lhe fiz tamanha perversão, assim, sem mais nem
menos.
–Não
precisa se desculpar, na verdade, lhe sou muito grata, nunca fui beijada por
ninguém...
Lorenzo
sorriu e permaneceu quieto. A moça, benfazeja depois de tamanho agrado, queria
continuar logo a caminhada, já era tarde, suas irmãs deviam estar preocupadas.
Se aproximando da casa, Serena apontou para a luz na janela que apagava:
–Veja,
minhas irmãs já estão indo dormir, cansaram de esperar por mim. Vamos nos
apressar!
–Sim! –
Lorenzo queria falar algo a mais para a moça, mas não conseguia...
Chegando a
casa envelhecida pelo tempo e que precisava urgentemente de reparos, a moça
logo que pode abriu a porta e entrou, no meio do escuro. Lorenzo se preocupou e
entrou atrás dela:
–Serena?!
Está tudo bem?! – Lorenzo levantou a lamparina que carregava desde sua casa e
viu-se preso numa armadilha. – Por Deus, o que é isso?!
A sua volta
havia pelo menos umas quatro mulheres horrendas, velhas, enrugadas, de feições
deformadas que em nada se assemelhavam a seres humanos. Elas olhavam para ele,
com seus olhos amarelados, arregalados e profundos. Seus sorrisos eram
diabólicos e sedentos. Não havia dúvida, eram bruxas:
–Ahahaha! –
Fez uma delas, a que possuía o cabelo mais ralo. – Você é nosso!
As mulheres
loucas começaram a entoar palavras indizíveis e acenderam um caldeirão sem nem
precisar colocar fogo na lenha. Uma fumaça começou a subir e o jovem, estático
de pavor, sentiu o mundo girar e desmaiou...
Tonto e com
dor de cabeça, Lorenzo acordou completamente amarrado, como se estivesse num
espeto para ser assado. Não lhe amordaçaram, justamente para que gritasse
durante o ritual que se seguia. Eles estavam num morro, em volta de um altar. A
lua estava no centro do céu e várias outras bruxas começavam a aparecer por
todos os lados. Todas elas gritavam extasiadas com alguma bebida que tiravam de
um grande caldeirão, muito maior que o que Lorenzo vira:
–O que
querem comigo?! – Gritava desesperadamente. – O que vão fazer comigo?!
–Tolinho,
não vede o que fazemos aqui... – Dizia uma voz familiar um pouco alterada. –
Vamos te sacrificar num ritual para o nosso deus! Ahahaha!
–Esses olhos...
– Lorenzo via uma moça com uma máscara que cobria a região ao redor dos olhos e
do nariz. – Serena? És tu?
–Vejo que
minha máscara não é o bastante... – Tirou a máscara. – Sim, sou eu!
–Mas,
Serena, por quê?!
–Você quer
mesmo saber?! – Dizia com tom de escárnio. – Porque sou uma bruxa! Ahahaha!
A bela face
se deformou de repente, o que era belo havia se tornado medonho, os dentes
tinham forma de serra, pontiagudos. As maçãs do rosto que antes esboçavam
ternura e jovialidade estavam estranhamente protuberantes, desfigurando ainda
mais sua face. Lorenzo era um rapaz puro, lágrimas corriam pelo seu rosto
devido ao desgosto, mas algo de bom ainda lhe permanecia no coração:
–São os
mesmo olhos...
–O que
disse?! – Perguntou Serena, a bruxa.
–São os mesmos
olhos que eu vi. Duas jóias preciosas que perderam o seu brilho para a
tristeza. Nem a lua se equipara a sua beleza. Oh, ouvi-me um pouco mais,
Serena! Quero lhe dizer tanta coisa escondida em meu peito. Já não me aguento
mais! Quero beijar-te de novo, sentir novamente o toque de seus dedos, poder
sonhar acordado que estou no paraíso...
–Ahahaha!!!
Ouviram isso irmãs?! Ele viu meu rosto e ainda pensa que vais me enganar com
esta falsa lamúria?! Ahahaha! – Todas as bruxas, fora as que ainda estavam extasiadas
e gritando grunhidos inintendíveis, estavam rindo bem alto.
–Vamos logo
com isso irmã, nosso mestre não tarda no que promete, não tardamos nós com
nossa promessa! – Disse aquela primeira bruxa da casa abandonada.
–Sim! Irmã!
Pegue o machado! – Dizia uma outra que terminava cada sentença com gritinhos
irritantes.
–Serena,
não faça isso... Se me tem alguma praga, ei de me empenhar em ter o teu perdão.
Eu vos quero bem, esqueceria qualquer coisa para estar contigo...
–Cale-se!
Presas não devem reclamar quando estão sendo abatidas! Aceita teu destino e se
ofereça ao nosso mestre! – Serena começou a balançar o machado pesado.
–Serena,
por favor, não faça isso... Argh! Argh! – Umas duas machadadas abriram lhe as
costelas.
Rapidamente
as bruxas, com seus dedos esguios, de unhas compridas, feias e afiadas,
terminaram de abrir o peito do rapaz. Serena pôs suas mãos lá dentro e retirou
o coração pulsante de Lorenzo, arrancando-o com crueldade. Ela levantou alto o
coração, deixando alguns pingos caírem em seu rosto e o jogou dentro do
caldeirão que começou a borbulhar forte e a levantar grande fumaça:
–Está feito
irmãs! Nosso deus aceitou nosso sacrifício! Viveremos mais cem anos belas e
jovens!
–... –
Lorenzo agonizava ainda algumas palavras e Serena voltou para perto do corpo
para terminar a estripação. – Eu... esqueci... de dizer...
Por fim,
aquela grande quantidade de sangue pareceu escorrer por seus olhos. A bruxa
achou estranho que aquilo ainda acontecesse, mas não ligou e terminou o serviço
que fazia:
–Nenhum
homem desgraçado jamais havia me roubado um beijo, você teve o que merecia!
Mais tarde,
quando já amanhecia e a festa das bruxas terminava. Serena estava mudada, as
bruxas notaram algo de diferente nela:
–O que foi
irmã? Teve alguma indigestão com as vísceras?
–Não é
nada...
–O
desgraçado havia lhe feito algo antes de chegar naquela casa minha criança?
–Só estou
me sentindo estranha... É como se, é como se...
–Diga
criança!
–É como se
eu sentisse pena daquela homem...
–Ah! –
Fizeram todas, que fugiram dela e desapareceram, pois o sol já iluminava o dia
e temiam que suas peles pudessem queimar e envelhecer novamente.
–Eu não
entendi... – Uma pequena lágrima, verdadeira dessa vez, desceu pelo seu rosto.
– O que ele queria dizer?
Então um
vulto lhe apareceu em sua frente:
–Eu queria
dizer, que esqueci de dizer, EU TE AMO... – e sumiu.
–...!
...
Todos os
clientes do bar que tiveram essa alucinação por causa da Devil’s Drink relatam
que não puderam ver o que aconteceu a bruxa. Disseram apenas que quando
voltaram a si, sentiam um imenso vazio...
Nenhum comentário:
Postar um comentário