sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Crônicas dos Senhores de Castelo: Fanzine - O Filho do Fim - Capítulo 13


Na Vila Subterrânea


            Nerítico estava preocupado, mesmo sendo um Senhor de Castelo tomar atitudes como aquelas lhe eram muito incomuns, principalmente sentindo o perigo que conhecia tão bem pingando fortemente sobre o teto da vila:
– Um ultraquímico se escondendo de um produto químico! – disse ele para si mesmo, tentando entender a situação em que se colocara.
Darla o levara para sua casa para que comessem algo: “Raízes foram tudo o que eu consegui encontrar hoje.”, o Senhor de Castelo estava se lembrando do que a moça lhe dissera antes. “Elas são daninhas e tóxicas, uma das poucas comidas que sobrevivem no planeta em regiões que não são afetadas pela chuva. Vou assá-las assim que eu acender o fogão.” Nerítico lembrava-se dela colocando um pedaço de carvão, um único pedaço de carvão embebido em gasolina e tentou acende-lo raspando duas pedras. O castelar deu um salto do pequeno banco em que estava e impediu-lhe que prosseguisse com sua intenção de ascender o fogo antes que ela causasse uma explosão que queimasse suas delicadas mãos. Ele tirou uma pequena pílula do cinto e a abriu sobre o carvão. O composto pegou fogo em pleno ar, assegurando que o carvão fosse ascendido com alguma segurança. A moça estava surpresa com aquela maneira de ascender o fogo:
– O que foi isso?
– Fósforo branco. Não deve ser usado dessa maneira, mas acho que se mostrou bem útil agora. – vendo que a dúvida da moça persistia, Nerítico tentou ser mais técnico com a explicação. – O fósforo branco entra em combustão espontânea em contato direto com o oxigênio.
– O que é isso que você está falando? Tento ler sua mente para entender, mas é algo muito confuso para mim. Oxigênio, fósforo, tabela periódica... O que é tudo isso?
– Eu sou um ultraquímico. Um especialista em reações químicas e no uso de diversos materiais...
– Ainda continuo sem entender...
– Veja o fogo. Eu sei como ele começa, a partir de uma simples fagulha; sei que o combustível, o material que está queimado, está sendo transformado em outra coisa; e que o resultado disso é calor e luz...
– Estranho... Não são as salamandras que fazem isso? Elas moram nas minhas pedras, mas nunca as vi sair de outro lugar... Você as colocou aí dentro dessa coisinha?
– ... – Nerítico percebeu que o assunto que falava a pobre moça era algo completamente novo.

...
            – Como posso ajudar esse povo? Eles mal sabem como os elementos químicos funcionam! – voltando a si, Nerítico via que conseguir ajuda poderia ser complicado com pessoas tão desorientadas.
            Então ele deu uma espetada numa das raízes que estavam no prato metálico e a mordeu com voracidade, mais concentrado na solução que precisava encontrar do que na maneira com a qual mastigava. Encontrar maneiras de decompor elementos químicos era sempre uma constante na faculdade de ultraquímica, ácidos são as mais usadas pelos iniciantes e na conclusão de curso são estudadas as grande máquinas que os engenheiros de megafísica usam para abrir o íntimo do átomo. Uma grande mente precisa ir longe para aprender tudo que precisa. Naquele momento, no entanto, ele precisava retroceder e deixar de lado tudo o que sabia para ser mais compreensível ao povo da vila subterrânea.
            Darla, que havia ido para o quarto dela para poder comer sem a máscara, voltava da primeira refeição do dia:
            – Você não vai comer tudo? Preparei do jeito que meus pais gostam...
            – Ah, desculpe! Não fiz por mal, está bom sim! – Nerítico estava sem graça diante da moça mascarada. – É que eu estava concentrado pensando em como ajudar vocês...
            Nerítico foi interrompido por um súbito abraço. O ultraquímico nunca havia sido agraciado com tamanha alegria e enrubesceu, sem conseguir terminar a frase:
            – Obrigado moço. Mais ninguém quer sair daqui. Todos que estão aqui querem permanecer nesse lugar porque sabem que um dia serão derretidos pela chuva... – a moça estava muito feliz com a resposta de Nerítico.
            – Espere um pouco! Eu ainda não sei como ajudar vocês... – o lado analítico do castelar não queria dar falsas esperanças, fazendo a moça se recompor meio constrangida pelo momento de exaltação.
            – Você quer terminar de comer? – a voz de Darla estava quase inaudível de dentro da máscara de gás.
            – Preciso de um pouco de água, preciso tomar mais... – ele parou um momento para pensar em um nome para suas pílulas. – Preciso tomas mais ‘coisinhas’.
            – Bem, a água que eu tenho está um pouco ruim. Não tive tempo de pegar mais do lado de fora...
            Darla foi até um canto de sua sala e abriu um tonel escuro que estava ali. Ela girou a tampa e olhou bem para o que tinha dentro. Colocou um copo de barro feito a mão e tirou um pouco do líquido:
            – Ainda está boa para beber... – disse sorrindo por debaixo da máscara. Nerítico percebeu sua alegria pelo tom de voz.
            O Senhor de Castelo, porém, fez cara feia ao ver como aquela água estava pútrida e fétida. Ele pensou em algo e tomou o copo das mãos da moça e o jogou de volta ao tonel. A moça estava novamente constrangida com a atitude do homem que ela mal conhecia:
            – Poderia esperar um pouco? – Nerítico sabia que a estava constrangendo, mas sabia também que certas experiências precisavam ser feitas do jeito que custassem.
            Ele tirou um pequeno pote de dentro do jaleco marcado com uma musashi, o símbolo dos Senhores de Castelo. Pegou uma pequena colher e tirou um pouco do pó branco de dentro do potinho, despejando-o no tonel. A água de dentro dele começou a borbulhar sem parar, soltando uma forte fumaça. A moça estava assustada, só vira a água borbulhar debaixo do fogo, nunca sem chama alguma. Depois de alguns minutos, a água parou e Nerítico colocou um tubo de ensaio de vidro lá dentro, tirando-o com água completamente límpida:
            – O que acha disso? É água limpa! – Nerítico estava entusiasmado por mostrar algo tão simples a Darla.
            – Mas... Ela está... Limpa? – a moça pegou o tubo de ensaio nas mãos. A água que ela vira completamente turva quando abrira o tonel estava da mesma cor que o vidro. – Posso beber?
            – Sim, por favor! – Nerítico estava muito emocionado com o sucesso de sua experiência.
            Darla virou-se para levantar a máscara de gás. Ela cheirou a água, tomou um pequeno gole e depois verteu todo o tubo:
            – E então? O que achou? – a moça recolocou a máscara no lugar rapidamente.
            – Eu... Eu nunca me senti tão saciada na minha vida! – Darla voltou a abraçar Nerítico. – Obrigada moço!
            – Heheh... De nada. Eu nem fiz nada demais. – o castelar estava encabulado.
            – Pois é... O que foi que você fez? – Nerítico olhava para os olhos que estavam debaixo da máscara e que estavam brilhando como nunca.
            – Eu sou usei algumas bact... – o ultraquímico se lembrou que precisava ser mais simples com a descrição do que estava fazendo. – Algumas ondinas! Eu usei algumas ondinas diferentes para limpar a água. Ela não está completamente limpa... – Nerítico pescou um pouco de sujeira amarelada que estava no topo da água do tonel. – Você precisa tirar essa sujeira que ficou aqui em cima. Ela não é prejudicial à saúde, mas deve ser mantida separada da água.
            – E o que é isso?
            – O que estava dentro da água... – Nerítico omitiu que a gosma em sua mão eram restos de bactérias que comeram as bactérias ruins e os compostos químicos pesados que foram filtrados por elas, que liberaram sais minerais no lugar.
            O ultraquímico sabia que usar bactérias é coisa de multibiólogo como o Iksio, mas este meio biológico é mais prático e portátil do que um grande laboratório. Sem contar que facilita na hora de retirar os restos orgânicos. O meio pode não deixar a água cem por cento limpa para consumo, mas já estava de bom tamanho para aquela mísera quantidade de água.
            Darla havia gostado daquela água diferente da que sempre consumiu e tomou mais alguns goles. Ela reparou no tempo e no barulho do teto que só aumentava:
            – Rápido, precisamos ir ver o líder da vila!
            – Nossa, já havia me esquecido disso! O tempo está piorando!

...

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