Na Vila Subterrânea
Nerítico
estava preocupado, mesmo sendo um Senhor de Castelo tomar atitudes como aquelas
lhe eram muito incomuns, principalmente sentindo o perigo que conhecia tão bem
pingando fortemente sobre o teto da vila:
– Um ultraquímico se escondendo
de um produto químico! – disse ele para si mesmo, tentando entender a situação
em que se colocara.
Darla o levara para sua casa para
que comessem algo: “Raízes foram tudo o que eu consegui encontrar hoje.”, o Senhor
de Castelo estava se lembrando do que a moça lhe dissera antes. “Elas são
daninhas e tóxicas, uma das poucas comidas que sobrevivem no planeta em regiões
que não são afetadas pela chuva. Vou assá-las assim que eu acender o fogão.”
Nerítico lembrava-se dela colocando um pedaço de carvão, um único pedaço de
carvão embebido em gasolina e tentou acende-lo raspando duas pedras. O castelar
deu um salto do pequeno banco em que estava e impediu-lhe que prosseguisse com
sua intenção de ascender o fogo antes que ela causasse uma explosão que queimasse
suas delicadas mãos. Ele tirou uma pequena pílula do cinto e a abriu sobre o
carvão. O composto pegou fogo em pleno ar, assegurando que o carvão fosse
ascendido com alguma segurança. A moça estava surpresa com aquela maneira de
ascender o fogo:
– O que foi isso?
– Fósforo branco. Não deve ser
usado dessa maneira, mas acho que se mostrou bem útil agora. – vendo que a
dúvida da moça persistia, Nerítico tentou ser mais técnico com a explicação. –
O fósforo branco entra em combustão espontânea em contato direto com o
oxigênio.
– O que é isso que você está
falando? Tento ler sua mente para entender, mas é algo muito confuso para mim.
Oxigênio, fósforo, tabela periódica... O que é tudo isso?
– Eu sou um ultraquímico. Um
especialista em reações químicas e no uso de diversos materiais...
– Ainda continuo sem entender...
– Veja o fogo. Eu sei como ele
começa, a partir de uma simples fagulha; sei que o combustível, o material que
está queimado, está sendo transformado em outra coisa; e que o resultado disso
é calor e luz...
– Estranho... Não são as
salamandras que fazem isso? Elas moram nas minhas pedras, mas nunca as vi sair
de outro lugar... Você as colocou aí dentro dessa coisinha?
– ... – Nerítico percebeu que o
assunto que falava a pobre moça era algo completamente novo.
...
– Como
posso ajudar esse povo? Eles mal sabem como os elementos químicos funcionam! –
voltando a si, Nerítico via que conseguir ajuda poderia ser complicado com
pessoas tão desorientadas.
Então ele
deu uma espetada numa das raízes que estavam no prato metálico e a mordeu com
voracidade, mais concentrado na solução que precisava encontrar do que na
maneira com a qual mastigava. Encontrar maneiras de decompor elementos químicos
era sempre uma constante na faculdade de ultraquímica, ácidos são as mais
usadas pelos iniciantes e na conclusão de curso são estudadas as grande
máquinas que os engenheiros de megafísica usam para abrir o íntimo do átomo.
Uma grande mente precisa ir longe para aprender tudo que precisa. Naquele
momento, no entanto, ele precisava retroceder e deixar de lado tudo o que sabia
para ser mais compreensível ao povo da vila subterrânea.
Darla, que
havia ido para o quarto dela para poder comer sem a máscara, voltava da
primeira refeição do dia:
– Você não
vai comer tudo? Preparei do jeito que meus pais gostam...
– Ah,
desculpe! Não fiz por mal, está bom sim! – Nerítico estava sem graça diante da
moça mascarada. – É que eu estava concentrado pensando em como ajudar vocês...
Nerítico
foi interrompido por um súbito abraço. O ultraquímico nunca havia sido
agraciado com tamanha alegria e enrubesceu, sem conseguir terminar a frase:
– Obrigado
moço. Mais ninguém quer sair daqui. Todos que estão aqui querem permanecer
nesse lugar porque sabem que um dia serão derretidos pela chuva... – a moça
estava muito feliz com a resposta de Nerítico.
– Espere um
pouco! Eu ainda não sei como ajudar vocês... – o lado analítico do castelar não
queria dar falsas esperanças, fazendo a moça se recompor meio constrangida pelo
momento de exaltação.
– Você quer
terminar de comer? – a voz de Darla estava quase inaudível de dentro da máscara
de gás.
– Preciso
de um pouco de água, preciso tomar mais... – ele parou um momento para pensar
em um nome para suas pílulas. – Preciso tomas mais ‘coisinhas’.
– Bem, a
água que eu tenho está um pouco ruim. Não tive tempo de pegar mais do lado de
fora...
Darla foi
até um canto de sua sala e abriu um tonel escuro que estava ali. Ela girou a
tampa e olhou bem para o que tinha dentro. Colocou um copo de barro feito a mão
e tirou um pouco do líquido:
– Ainda
está boa para beber... – disse sorrindo por debaixo da máscara. Nerítico
percebeu sua alegria pelo tom de voz.
O Senhor de
Castelo, porém, fez cara feia ao ver como aquela água estava pútrida e fétida.
Ele pensou em algo e tomou o copo das mãos da moça e o jogou de volta ao tonel.
A moça estava novamente constrangida com a atitude do homem que ela mal
conhecia:
– Poderia
esperar um pouco? – Nerítico sabia que a estava constrangendo, mas sabia também
que certas experiências precisavam ser feitas do jeito que custassem.
Ele tirou
um pequeno pote de dentro do jaleco marcado com uma musashi, o símbolo dos
Senhores de Castelo. Pegou uma pequena colher e tirou um pouco do pó branco de
dentro do potinho, despejando-o no tonel. A água de dentro dele começou a
borbulhar sem parar, soltando uma forte fumaça. A moça estava assustada, só
vira a água borbulhar debaixo do fogo, nunca sem chama alguma. Depois de alguns
minutos, a água parou e Nerítico colocou um tubo de ensaio de vidro lá dentro,
tirando-o com água completamente límpida:
– O que
acha disso? É água limpa! – Nerítico estava entusiasmado por mostrar algo tão
simples a Darla.
– Mas...
Ela está... Limpa? – a moça pegou o tubo de ensaio nas mãos. A água que ela
vira completamente turva quando abrira o tonel estava da mesma cor que o vidro.
– Posso beber?
– Sim, por
favor! – Nerítico estava muito emocionado com o sucesso de sua experiência.
Darla virou-se
para levantar a máscara de gás. Ela cheirou a água, tomou um pequeno gole e
depois verteu todo o tubo:
– E então?
O que achou? – a moça recolocou a máscara no lugar rapidamente.
– Eu... Eu
nunca me senti tão saciada na minha vida! – Darla voltou a abraçar Nerítico. –
Obrigada moço!
– Heheh...
De nada. Eu nem fiz nada demais. – o castelar estava encabulado.
– Pois é...
O que foi que você fez? – Nerítico olhava para os olhos que estavam debaixo da
máscara e que estavam brilhando como nunca.
– Eu sou
usei algumas bact... – o ultraquímico se lembrou que precisava ser mais simples
com a descrição do que estava fazendo. – Algumas ondinas! Eu usei algumas
ondinas diferentes para limpar a água. Ela não está completamente limpa... –
Nerítico pescou um pouco de sujeira amarelada que estava no topo da água do
tonel. – Você precisa tirar essa sujeira que ficou aqui em cima. Ela não é
prejudicial à saúde, mas deve ser mantida separada da água.
– E o que é
isso?
– O que
estava dentro da água... – Nerítico omitiu que a gosma em sua mão eram restos
de bactérias que comeram as bactérias ruins e os compostos químicos pesados que
foram filtrados por elas, que liberaram sais minerais no lugar.
O
ultraquímico sabia que usar bactérias é coisa de multibiólogo como o Iksio, mas
este meio biológico é mais prático e portátil do que um grande laboratório. Sem
contar que facilita na hora de retirar os restos orgânicos. O meio pode não
deixar a água cem por cento limpa para consumo, mas já estava de bom tamanho
para aquela mísera quantidade de água.
Darla havia
gostado daquela água diferente da que sempre consumiu e tomou mais alguns
goles. Ela reparou no tempo e no barulho do teto que só aumentava:
– Rápido,
precisamos ir ver o líder da vila!
– Nossa, já
havia me esquecido disso! O tempo está piorando!
...
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