quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Crônicas dos Senhores de Castelo: Fanzine - O Filho do Fim - Capítulo 29


A Árvore de Mil Olhos

 

            Dimios estava sozinho. Monaro e seu acampamento inteiro desapareceram juntamente com o resto de todas aquelas pessoas que tanto festejaram. Não havia sinal deles, não havia sinal de que sequer estiveram ali. O Senhor de Castelo caminhou apressadamente por todo o caminho que levava àquela montanha próxima a vila. A região parecia emergir do meio de todo o lixo e entulho que se vira até agora. O instinto do ziniano lhe dizia que deveria voltar, algo forte estava nas entranhas daquela montanha e respirava... Sim! Era isso, respirava profundamente, podia se ouvir aquilo respirando roucamente do topo da montanha.
            O material que ia compondo o caminho era escuro: “Basalto”, pensou Dimios lembrando que aquele material era vulcânico. Continuou no caminho que começava a ficar íngreme e cheio de pedras soltas. “Tudo aqui é difícil”, voltou a pensar, “Não consigo andar neste planeta sem que a possibilidade de cair me acompanhe?”
            Sua concentração estava atenta, sentia o medo persegui-lo por onde quer que fosse. Olhava para um lado e para o outro, a impressão de que havia alguém ali era certa, apesar de nunca haver nada quando ele fixava o olhar. A neblina começava a aumentar. Não se conseguia ver nada além do chão escuro e parcialmente vitrificado. As pontas agudas deixadas pelo tempo trincavam ao seu pisar, produzindo um barulhinho irritante que estava deixando-o ainda mais tenso. O respiro continuava ficando cada vez mais forte.

            Se aproximando novamente do rio que corre para o vale abaixo, Dimios se surpreendeu com o que encontrara. Aquilo não era água, era sangue! O cheiro estava forte, aquele ar ferroso lhe subia pelas narinas queimando o interior e fazendo os olhos arderem. O clima ficava cada vez mais pesado, o castelar não enxergava nada além do próprio corpo e do chão aos seus pés.
            Mais uns poucos passos... e algo quase cai sobre ele! Um corpo enorme e fumegante era o que Dimios via diante de si, complemente chamuscado por uma força desconhecida. Deu a volta para passar pela criatura e notou algo, ele conhecia aquele ser! Não tinha pernas e só restava a parte rombuda do corpo, mas a face com longos cabelos desgrenhados era daquela aranha gigante que havia raptado Ferus. Estava morta e desfigurada. Os pensamentos do Senhor de Castelo se encheram de dúvidas. O que poderia ter feito aquilo? E Ferus, onde estava? Resolveu gritar por ele na esperança de que respondesse. Nada. E a respiração continuava ficando cada vez mais intensa.
            As sombras estavam por todo lugar, elas não paravam de lhe incomodar a visão aparecendo no canto dos olhos. Por algum motivo Dimios passava mal, sentia o seu corpo arder, possivelmente estava com febre. Respirou fundo e continuou o caminho, procurando por Ferus, seu parceiro. Seus olhos fechavam constantemente, a sonolência voltava a lhe incomodar. Não teve dúvidas e aumentou a potência da carga elétrica da Garra de Sartel. Cerrou os dentes e os olhos por causa da dor, tentando não gritar, arfando de exaustão. O respiro estava mais alto... Não, ele estava próximo. Na verdade, estava bem a sua frente. O que sentia era um misto de densidade alta de maru com algo repugnante e podre. As pernas então falharam sucumbindo finalmente ao cansaço, caindo em um profundo buraco.

...

            – BEM VINDO, SENHOR DE CASTELO! – disseram milhares de vozes ao mesmo tempo num tom distorcido e cavernoso.
            – Onde estou?
            – VOCÊ ESTÁ NO MEU PLANETA!
            Dimios finalmente conseguiu se levantar. Sentia-se um pouco melhor, e conseguiu contemplar a desconcertante criatura. Olhar diretamente para aquilo deixava o Senhor de Castelo tremendo, sentia os piores temores de sua vida concentrados em um único lugar. Não tinha alguns olhos e provavelmente não eram mil como havia pensado, havia milhares de olhos por todos os lados. Aquilo se erguia fina e longamente num tronco de pele humana retorcida. Seus galhos... Não. Não eram galhos... Seus braços longos e compridos se repetiam em cada articulação, se desdobrando de forma bizarra em mãos que tinham outros braços menores como dedos. Os olhos abriam e fechavam aqui e ali, todos claramente direcionados para Dimios. Não havia como escapar daquilo.
            – Você é a Árvore de Mil olhos?
            – SOU!
            – Onde está Ferus, o meu parceiro?
            – VOCÊ NÃO TEM PARCEIRO! – a árvore se moveu, balando-se lentamente, como se fosse uma planta ao vento.
            – Eu vou perguntar mais uma vez... Onde está o meu parceiro?!
            Os olhos se fecharam, todos eles. A luz que iluminava aquele lugar estranhamente se foi junto com eles. A única luz que se mantinha vinha das fagulhas da Garra de Sartel. Dimios sentiu-se mal novamente, seu corpo estava sendo invadido por uma força externa que tentava lhe penetrar a mente e só não conseguia por causa do bloqueador mental da garra que estava ativo, embaralhando as sinapses nervosas.
            O chão se moveu. Diversos braços brotaram do chão agarrando o castelar que se via impotente diante daquela força descomunal sendo forçado a se ajoelhar, se remexendo como podia. Os braços alcançaram a sua cabeça e várias mãos prenderam-na para que não se movesse. As luzes voltaram, e com ela todos os olhos se abriram. Então, entre o tronco e Dimios uma fenda se abriu e um apêndice longo que lembrava uma língua com uma grande boca cheia de dentes se levantou:
            – VOCÊ É ATREVIDO SENHOR DE CASTELO! PORQUE NÃO SOFRE O QUE EU SOFRI?! SOMENTE SENTIDO A MINHA DOR VOCÊ VAI ENTEDER O QUE É REALMENTE SOFRER!
            A mente de Dimios foi invadida por imagens indescritíveis. O pouco que se podia ver era o próprio inferno. Centenas, milhares, milhões de seres gritando e sofrendo uma angustia infinita e dolorosa. A alma do Senhor de Castelo estava sendo sugada para dentro da boca puxada por aquelas mãos desesperadas.
            – MORRA!
            – Aaaaaaaaaah! – gritou Dimios, desesperado.
...

            Uma caixa de música começou a tocar. Um feixe de luz púrpura atravessou a caverna acertando o apêndice em cheio:
            – Não se meta com o meu parceiro! Desgraçado!
            Dimios foi soltou pelos braços que o prendiam. Uma corda foi jogada nele, laçando-o. Com rapidez, ele foi puxado para um lugar alto, ficando seguro.
            – Você está bem? – perguntou Ferus.
            – Acho que vou sobreviver...
            – MALDITOS... SUMAM...
            Toda a montanha começou a tremer. A rocha se partia, deixando rios de lava tomarem todo o lugar, liberando consigo vapores sulfúreos. O berro lamurioso era horrível e arrepiante. Dimios ainda sentia-se mal e não conseguia enxergar direito. Aparentemente Ferus havia encontrado seu cilindro de armeiro e o carregava no ombro.
            – Desapareça... Abominação! – e disparou mais uma vez.
            A intensidade foi tão grande que a luz não deixava que nada pudesse ser enxergado, sumindo num completo clarão. Dimios sentiu a garra entrar em curto, gemeu um pouco e desmaiou.

...

            O Senhor de Castelo teve um novo sonho. Novamente uma foice pendente balançava sobre as cabeças dos castelares que estavam no planeta. Não dava pra saber sobre quem ela iria cair. Sua intensidade só aumentava...
...

            Dimios acordou. Estava de volta a cabana de onde saíra para procurar Ferus. Desta vez, porém, estava tudo diferente, tudo estava velho e abandonado há muito tempo. O teto já estava corroído e a noite do planeta sem nome já havia chegado. Perto dele, uma fogueira improvisada espantava o frio. Do outro lado dela, Ferus estava sentado, vestido com as roupas que havia trazido na missão, com seu cilindro de armeiro a tiracolo, brilhando com as luzes da fogueira. Dimios estava fraco, não conseguia se levantar, nem perguntar nada de tão cansado. Apenas virou-se, olhando para o parceiro.
            – Você deixou eles o levarem... Você deixou eles o levarem...
O cabelo de Ferus estava branco...
 
 
...
 

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