A Árvore de Mil Olhos
Dimios
estava sozinho. Monaro e seu acampamento inteiro desapareceram juntamente com o
resto de todas aquelas pessoas que tanto festejaram. Não havia sinal deles, não
havia sinal de que sequer estiveram ali. O Senhor de Castelo caminhou
apressadamente por todo o caminho que levava àquela montanha próxima a vila. A
região parecia emergir do meio de todo o lixo e entulho que se vira até agora. O
instinto do ziniano lhe dizia que deveria voltar, algo forte estava nas
entranhas daquela montanha e respirava... Sim! Era isso, respirava
profundamente, podia se ouvir aquilo respirando roucamente do topo da montanha.
O material
que ia compondo o caminho era escuro: “Basalto”, pensou Dimios lembrando que
aquele material era vulcânico. Continuou no caminho que começava a ficar íngreme
e cheio de pedras soltas. “Tudo aqui é difícil”, voltou a pensar, “Não consigo
andar neste planeta sem que a possibilidade de cair me acompanhe?”
Sua
concentração estava atenta, sentia o medo persegui-lo por onde quer que fosse.
Olhava para um lado e para o outro, a impressão de que havia alguém ali era
certa, apesar de nunca haver nada quando ele fixava o olhar. A neblina começava
a aumentar. Não se conseguia ver nada além do chão escuro e parcialmente
vitrificado. As pontas agudas deixadas pelo tempo trincavam ao seu pisar,
produzindo um barulhinho irritante que estava deixando-o ainda mais tenso. O
respiro continuava ficando cada vez mais forte.
Se
aproximando novamente do rio que corre para o vale abaixo, Dimios se
surpreendeu com o que encontrara. Aquilo não era água, era sangue! O cheiro
estava forte, aquele ar ferroso lhe subia pelas narinas queimando o interior e
fazendo os olhos arderem. O clima ficava cada vez mais pesado, o castelar não
enxergava nada além do próprio corpo e do chão aos seus pés.
Mais uns
poucos passos... e algo quase cai sobre ele! Um corpo enorme e fumegante era o
que Dimios via diante de si, complemente chamuscado por uma força desconhecida.
Deu a volta para passar pela criatura e notou algo, ele conhecia aquele ser!
Não tinha pernas e só restava a parte rombuda do corpo, mas a face com longos
cabelos desgrenhados era daquela aranha gigante que havia raptado Ferus. Estava
morta e desfigurada. Os pensamentos do Senhor de Castelo se encheram de
dúvidas. O que poderia ter feito aquilo? E Ferus, onde estava? Resolveu gritar
por ele na esperança de que respondesse. Nada. E a respiração continuava ficando
cada vez mais intensa.
As sombras
estavam por todo lugar, elas não paravam de lhe incomodar a visão aparecendo no
canto dos olhos. Por algum motivo Dimios passava mal, sentia o seu corpo arder,
possivelmente estava com febre. Respirou fundo e continuou o caminho,
procurando por Ferus, seu parceiro. Seus olhos fechavam constantemente, a
sonolência voltava a lhe incomodar. Não teve dúvidas e aumentou a potência da
carga elétrica da Garra de Sartel. Cerrou os dentes e os olhos por causa da
dor, tentando não gritar, arfando de exaustão. O respiro estava mais alto...
Não, ele estava próximo. Na verdade, estava bem a sua frente. O que sentia era
um misto de densidade alta de maru com algo repugnante e podre. As pernas então
falharam sucumbindo finalmente ao cansaço, caindo em um profundo buraco.
...
– BEM
VINDO, SENHOR DE CASTELO! – disseram milhares de vozes ao mesmo tempo num tom
distorcido e cavernoso.
– Onde
estou?
– VOCÊ ESTÁ
NO MEU PLANETA!
Dimios
finalmente conseguiu se levantar. Sentia-se um pouco melhor, e conseguiu
contemplar a desconcertante criatura. Olhar diretamente para aquilo deixava o
Senhor de Castelo tremendo, sentia os piores temores de sua vida concentrados
em um único lugar. Não tinha alguns olhos e provavelmente não eram mil como havia
pensado, havia milhares de olhos por todos os lados. Aquilo se erguia fina e
longamente num tronco de pele humana retorcida. Seus galhos... Não. Não eram
galhos... Seus braços longos e compridos se repetiam em cada articulação, se
desdobrando de forma bizarra em mãos que tinham outros braços menores como
dedos. Os olhos abriam e fechavam aqui e ali, todos claramente direcionados
para Dimios. Não havia como escapar daquilo.
– Você é a
Árvore de Mil olhos?
– SOU!
– Onde está
Ferus, o meu parceiro?
– VOCÊ NÃO
TEM PARCEIRO! – a árvore se moveu, balando-se lentamente, como se fosse uma
planta ao vento.
– Eu vou
perguntar mais uma vez... Onde está o meu parceiro?!
Os olhos se
fecharam, todos eles. A luz que iluminava aquele lugar estranhamente se foi
junto com eles. A única luz que se mantinha vinha das fagulhas da Garra de
Sartel. Dimios sentiu-se mal novamente, seu corpo estava sendo invadido por uma
força externa que tentava lhe penetrar a mente e só não conseguia por causa do
bloqueador mental da garra que estava ativo, embaralhando as sinapses nervosas.
O chão se
moveu. Diversos braços brotaram do chão agarrando o castelar que se via
impotente diante daquela força descomunal sendo forçado a se ajoelhar, se
remexendo como podia. Os braços alcançaram a sua cabeça e várias mãos
prenderam-na para que não se movesse. As luzes voltaram, e com ela todos os
olhos se abriram. Então, entre o tronco e Dimios uma fenda se abriu e um
apêndice longo que lembrava uma língua com uma grande boca cheia de dentes se
levantou:
– VOCÊ É
ATREVIDO SENHOR DE CASTELO! PORQUE NÃO SOFRE O QUE EU SOFRI?! SOMENTE SENTIDO A
MINHA DOR VOCÊ VAI ENTEDER O QUE É REALMENTE SOFRER!
A mente de
Dimios foi invadida por imagens indescritíveis. O pouco que se podia ver era o
próprio inferno. Centenas, milhares, milhões de seres gritando e sofrendo uma
angustia infinita e dolorosa. A alma do Senhor de Castelo estava sendo sugada
para dentro da boca puxada por aquelas mãos desesperadas.
– MORRA!
–
Aaaaaaaaaah! – gritou Dimios, desesperado.
...
Uma caixa
de música começou a tocar. Um feixe de luz púrpura atravessou a caverna
acertando o apêndice em cheio:
– Não se
meta com o meu parceiro! Desgraçado!
Dimios foi
soltou pelos braços que o prendiam. Uma corda foi jogada nele, laçando-o. Com rapidez,
ele foi puxado para um lugar alto, ficando seguro.
– Você está
bem? – perguntou Ferus.
– Acho que
vou sobreviver...
–
MALDITOS... SUMAM...
Toda a
montanha começou a tremer. A rocha se partia, deixando rios de lava tomarem
todo o lugar, liberando consigo vapores sulfúreos. O berro lamurioso era
horrível e arrepiante. Dimios ainda sentia-se mal e não conseguia enxergar
direito. Aparentemente Ferus havia encontrado seu cilindro de armeiro e o
carregava no ombro.
–
Desapareça... Abominação! – e disparou mais uma vez.
A
intensidade foi tão grande que a luz não deixava que nada pudesse ser
enxergado, sumindo num completo clarão. Dimios sentiu a garra entrar em curto,
gemeu um pouco e desmaiou.
...
O Senhor de
Castelo teve um novo sonho. Novamente uma foice pendente balançava sobre as
cabeças dos castelares que estavam no planeta. Não dava pra saber sobre quem
ela iria cair. Sua intensidade só aumentava...
...
Dimios
acordou. Estava de volta a cabana de onde saíra para procurar Ferus. Desta vez,
porém, estava tudo diferente, tudo estava velho e abandonado há muito tempo. O
teto já estava corroído e a noite do planeta sem nome já havia chegado. Perto
dele, uma fogueira improvisada espantava o frio. Do outro lado dela, Ferus
estava sentado, vestido com as roupas que havia trazido na missão, com seu
cilindro de armeiro a tiracolo, brilhando com as luzes da fogueira. Dimios
estava fraco, não conseguia se levantar, nem perguntar nada de tão cansado.
Apenas virou-se, olhando para o parceiro.
– Você
deixou eles o levarem... Você deixou eles o levarem...
O cabelo de Ferus estava
branco...
...
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