A Besta – 1ª parte
Nerítico,
Pilares e Westem seguiram rumo à Cidade Baixa, mesmo não sabendo como poderiam
encontrar Iksio. O galeano pensava positivo, o parceiro não se deixaria vencer
por tão pouco. Ele conhecia a arthuano como ninguém, Iksio era capaz, ele sabia
disso. Pilares e Nerítico não conversavam. Se entre olhavam, criando uma
atmosfera pesada, evitando um ao outro.
Pilares estava constrangido pelo
que acontecera com ele e tinha medo que o ultraquímico lhe desse outro sermão.
Vez ou outra Pilares cometia um erro por se deixar levar pelos hábitos de
ladrão, colocando os dois em apuros. O teslarniano não reclamava, sabia que
estava errado e aceitava tudo calado. Tinha respeito pelo parceiro que
demonstrava se importar com ele quando a maioria das pessoas o tratava mal,
desprezando-o por ele ter sido um ladrão. “É normal, estou acostumado com eles.
Só não entendo porque Nerítico está assim... Tenho medo de perguntar”, pensava
ele, perdido em pensamentos.
Nerítico, por outro lado, não
estava pensando nem um pouco nos últimos acontecimentos com os castelares.
Estava pensando em Darla, no seu corpo pequeno que cabia tão bem em seus
braços. Do seu jeito simples e delicado, mesmo debaixo daquela máscara grande e
pesada. Sentia saudades. Queria chorar e não podia. Sabia que Darla estava
morta e que não poderia fazer nada para trazê-la de volta. Karvak também estava
morto. Pensou nele lembrando-o como um cunhado que o incomodaria em seu
laboratório num momento crítico de uma mistura que poderia explodir se o
neutralizador não fosse adicionado rapidamente. Ele sorriu, tinha certeza de
que mesmo se o laboratório inteiro voasse pelos ares, Darla iria lhe pedir
paciência, que ele era o irmão dela, que ele o perdoasse e ele obedeceria
piamente a sua amada. O rosto de Darla poderia ser desfigurado, porém, em sua
mente, ele a enxergava por inteiro, como uma mulher normal, como sua esposa...
As últimas palavras lhe caíram como uma pedra no peito. A tristeza repreendida
por causa da missão estava lhe causando mal.
Pilares, decidido a tomar a
bronca de uma vez por todas, foi direto ao assunto:
– Nerítico, precisamos conversar.
– o ultraquímico parou, olhando para Pilares.
Não aguentando, seu rosto ficou
molhado. Tentava ater-se ao perigo que estava ao seu redor, buscava forças nos
seus ensinamentos rígidos e calculistas. Falhou. Era como tentar se segurar
numa pedra solta, ela nunca evitaria uma queda. Nerítico continuou olhando para
Pilares por mais algum tempo e voltou a andar. Talvez Pilares esquecesse o que
havia visto e não comentasse.
– Parceiro? O que houve? Aliás,
você ainda não disse como foram os seus primeiros dias aqui...
– Por favor... – disse ele logo à
frente, sem olhar pra trás. – Não me pergunte sobre isso.
– Ih... Não estou te
reconhecendo, meu irmão. Você sempre é decidido em tudo. Aconteceu alguma coisa
e...
– Não pergunte, Pilares. –
intercedeu Westem, interrompendo o assaltante. – Não sei o que aconteceu. Mas
conheço essas lágrimas, o coração dele acaba de ser partido.
– Nerítico com sentimentos? Rá!
Conta outra! Nerítico nunca se deixou seduzir por nenhuma mulherzinha que fosse
e agora você vai me dizer que ele, o senhor cálculo, teve o coração partido sem
que eu percebesse? Não acredito!
Pilares estava tão certo do que
estava dizendo que parou de olhar para o parceiro. Quando retornou a vê-lo, o
rosto ainda úmido de Nerítico balançou negativamente de leve. Cabisbaixo,
fechou os olhos e mais lágrimas rolaram, desconcertando Pilares.
– Mas...
– Não fale. – disse Westem. – Não
fale...
...
O silêncio que caiu sobre a relação
tão antiga dos dois castelares estava pesando pelo caminho. Pilares resolveu
ficar calado, tentando entender por si mesmo o que era aquilo: “Nerítico é tão
certo de tudo... Como foi que ele ficou assim?”. Simplesmente não passava pela
cabeça avoada de Pilares que mesmo ultraquímicos têm momentos onde precisam
ficar sozinhos. Westem bem entedia aquilo, ao ver Iksio suspirando por sua
Liliana dezenas de vezes.
Enfim, com
mais algumas horas de caminhada, avistaram a cidade baixa. A primeira noite
havia chegado e acamparam. Com os suprimentos que conseguiram, logo fizeram uma
fogueira e assaram um pouco de comida. Satisfeitos, dois deles iriam dormir
enquanto um ficaria de vigia. O primeiro seria Westem.
...
Com o meio
da noite, o barulho das máquinas ao longe ficava mais sombrio. Westem ficou
olhando por todos os lados, sentindo que algo se escondia por entre os
entulhos:
– Saia daí!
Eu sei que você está aí! – gritou o bárbaro com ímpeto.
Alguns
pedaços de metal se moveram e Westem saiu para averiguar sem acordar os
companheiros.
...
Em seus
sonhos, Pilares estava no meio de uma grande fortuna de pedras preciosas e
ouro, muito ouro! Sua maior felicidade era estar ali, rodeado de riquezas
brilhantes e reluzentes. Tudo ia bem até que ele caiu em um pesadelo repentino.
Via a sua valiosa riqueza se dissolver aos poucos. No meio das jóias viu
Nerítico dissolvendo cada uma de suas pedras, completamente ensandecido
dizendo:
– Tudo pela ciência! Tudo pela
ciência!
– Nerítico! Pare! Deixe um pouco
pra mim! – o assaltante tentou dissuadi-lo. – Não pegue isso... Não! Isso
também não!
Quando tudo havia acabado e
Pilares já não tinha nada, o ultraquímico procurou por mais e só encontrou o
companheiro:
– Você serve! É justamente o que eu preciso
para completar a minha experiência!
– Nerítico? Nerítico! Me deixe! –
o teslarniano sentiu sua roupa sendo rasgada e acordou.
O susto fora grande, ele suava
muito e podia jurar que se não tivesse acordado, sua pele seria a próxima a ser
arrancada.
O ultraquímico, nascido num
planeta do primeiro quadrante e que crescera em Acinki, planeta do terceiro
quadrante, rico em tecnologia e famoso pelos poderosos ultraquímicos que
ajudava a formar para a Ordem dos Senhores de Castelo; sonhava em como seria
sua vida ao lado de Darla. Estava lá a bela moça com o rosto enfaixado para uma
melhor recuperação, esperando que Nerítico lhe tivesse a honra de tirá-los para
ser o primeiro a ver a reconstrução total de sua face. Os dois estavam
ansiosos, esperavam que o sucesso da cirurgia selasse completamente o amor
entre eles. E a última bandagem caiu:
– Nerítico? O que foi? Meu rosto
não ficou bom? – Darla começou a chorar.
– ... – o Senhor de Castelo
estava atônito, não conseguia dizer uma única palavras. Diante dele estava a
sua amada com um rosto totalmente inesperado, feito de pano!
– Nerítico, acorda! Vai cara,
acorda! Westem sumiu!
– Ahn? O quê disse Darla? – no
meio da sonolência o castelar confundiu a realidade com o sonho.
– Quem é Darla? Sou eu, Pilares!
– O que você quer? – Nerítico
esfregou os olhos para acordar.
– Westem sumiu! Não o vejo em
lugar nenhum!
– Droga! Dimios não vai gostar
disso...
– E quem se importa com isso?
Westem sumiu e...
– O que foi? Porque parou? Westem
apareceu?
– ...não olhe agora. Temos companhia!
Nerítico se virou e pode ver,
iluminado pela luz da fogueira, um boneco de pano que lembrava um marinheiro
com roupas brancas.
– Aquilo? Perdeste o juízo! Deve
ser mais um brinquedo descartado pela Irmandade Cósmica...
– Ele se mexeu!
– Ahn? – o castelar olhou
novamente para o boneco. – Não! É imaginação sua...
– Ele sumiu!
– ... – Nerítico já estava
perdendo a paciência e olhou uma última vez, verificando que o boneco realmente
havia desaparecido. – Pilares!
– O quê? Não fui eu! Eu juro! Eu
estava dormindo o tempo todo, tive até um pesadelo...
– Você também? – o ultraquímico
constatou os fatos, havia algo estranho acontecendo e possivelmente o boneco
teria alguma coisa haver.
Nerítico sentiu algo roçando em
sua perna. Olhou e viu o boneco, sentado ao seu lado. Em sua roupa, sobre o
lado direito do peito, um nome bordado: Croaton...
Continua...
...
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