quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Crônicas dos Senhores de Castelo: Fanzine - O Filho do Fim - Capítulo 24


O Exorcismo

 

            Alguém bate na porta. A Dama, a criatura de face dura e imóvel, deixa o bisturi em cima de algum móvel coberto pela penumbra da sala, e abre a porta. Nerítico logo grita:
            – Pilares! Socorro!
            – Shimah! – o assaltante tinha uma voz grossa e distorcida que assustou o ultraquímico que não parava de sangrar pelos cortes finos e precisos. – Senhores de Castelo devem morrer...
            – Pilares! Parceiro! Me ajude!
            O castelar, que ofegava mostrando os dentes, completamente tomado pelo ódio, se aproximou. Nerítico não reconhecia o companheiro:
            – Verme nojento! Como ousa penetrar nos domínios da santa Irmandade Cósmica?! – Pilares puxou uma das facas e a aproximou do coração do castelar, sua mão tremia. – Eu tenho...
            Ele largou a faca. Nerítico percebeu e continuou a chamar pelo amigo:
            – Pilares! Acorda!
            – Cale a boca, maldito! – gritou arfando, quase não conseguindo dizer. – Damah... Shime. (Dama, mate-o)
            Ela assentiu prostrando-se levemente para frente e tirou do mesmo lugar em que colocara o bisturi uma faca contorcida com várias lâminas, lisas e serrilhadas que provocariam um belo estrago. Pilares voltou para a porta, caindo de lado no batente. Seu estado era visivelmente péssimo:
            – Pilares! – gritou Nerítico uma última vez. Ele olhou de volta com um olhar assassino e saiu do campo de visão, deixando a porta aberta.
            A Dama ficou parada diante do ultraquímico, analisando com a ponta de seu instrumento em que lugar iria feri-lo mortalmente. O frio da navalha só piorava a sensação de desespero de Nerítico, que só teve tempo de fechar os olhos...
...

            O ultraquímico se segurou, esperava sentir o corte e ele não vinha. Ouviu um baque no chão e teve que abrir os olhos:
            – Você está bem?
            – Dimios! – Nerítico estava feliz por ver o castelar irritante.
No chão a Dama agonizava sentindo descargas elétricas ininterruptas. Ela levantava as mãos tentando demonstrar que queria piedade, como se quisesse se segurar em algo ou alguém pedindo ajuda. Pôs uma das mãos no pescoço e continuava com seus movimentos lentos e dramáticos.
– Tome, acho que isso é seu.
– Meu jaleco! Obrigado, não vivo sem ele. – ainda com ele em mãos, Nerítico tirou um pote de um dos bolsos internos e passou a pomada de seu conteúdo no corpo, cicatrizando os cortes. – Isso já estava me incomodando.
– Suas mãos? – questionou Dimios.
– Não, não foi essa... Perturbada! Isso foi causado por produtos químicos fortes nos laboratórios de ultraquímica. Nunca deixei isso me fazer mudar de ideia sobre o tipo de Senhor de Castelo que eu queria ser e acredito que essa sua prótese também não, estou certo?
– Vamos, não temos tempo a perder... – de maneira fria, a pergunta de Nerítico não foi respondida. – Ferus e um ex-castelar estão perseguindo Pilares...
– Que ex-castelar? – perguntou enquanto saiam e ele vestia o uniforme de ultraquímico, o jaleco, as luvas pretas e os óculos de proteção. Aproveitou e colocou o suporte de granadas no ombro, passando um dos braço.
            – É uma longa história... Aparentemente este planeta todo é embebido em panacéia.
            – Então era isso que eu não consegui decifrar... – Dimios olhou estranho para ele por ter sido interrompido. – Continue...
            – A cerca de quinhentos anos, numa das batalhas em que os Senhores de Castelo tentaram proteger um planeta chamado Máscar que acabou sendo destruído pela Irmandade, um tal de Monaro, que é Senhor de Castelo, foi trazido para cá e sobreviveu todo esse tempo...
            – Quinhentos anos? Mas isso é impossível!
            – E desde quando Senhores de Castelo deixam de lidar com o impossível? – respondeu com desprezo. – Este planeta não é uma mistura perfeita de panacéia. Pelo que me disseram existe uma caixa com o símbolo da ampulheta distorcida cujo conteúdo tem um efeito forte de preservação de células. A fórmula não cura doenças, parece conferir algo próximo da imortalidade ou da juventude eterna, deixando os corpos do jeito que estão, perfeitos ou imperfeitos.
            – Isso significa que os gases tóxicos não surtem efeito mortal...
            – Creio que sim. – consentiu Dimios vendo que estava sendo entendido. – Eu só não entendo o que aconteceu com Pilares...
            – Ele me pareceu estar sendo controlado. Eu o vi a pouco, sua voz estava diferente, quase me matou. Justo eu!
            – Segundo Monaro, um serviçal altariano conhecido como o Ilusionista perdeu seu corpo por ter desobedecido aos superiores. De alguma forma ele ataca pessoas e usa seus corpos para reconstruir a estrutura gênica original. O que é quase impossível, uma vez que não há pessoas normais neste planeta há vários séculos. Infelizmente, nós chegamos aqui e temos qualidades genéticas perfeitas para ele voltar a se regenerar. – Dimios seguia o sinal fantasma de Ferus e parou. – O sinal termina aqui.
            Eles estavam diante de uma porta. O local todo era uma base térrea. Monaro falou aos Senhores de Castelo que antigamente uma família vivia ali, juntando restos aproveitáveis do lixo para dividir com os outros e um dia a facção da Dama fez o que bem entendeu com eles. Na porta de entrada, seus esqueletos jaziam podres e naquela porta fechada, o couro de suas peles estava estendido e pregado, decorando o ambiente. Dimios abriu a porta e presenciou o exorcismo de Pilares, feito por... Ferus?

...

            Monaro segurava as pernas do Senhor de Castelo, juntamente com suas mãos que estavam amarradas. Ferus estava ajoelhado, com as mãos na cabeça dele. Seu cabelo estava branco. Dimios e Nerítico não entenderam aquela cena, principalmente o ultraquímico que jurava que os cabelos do jovem castelar eram de outra cor e que a criatura que o ajudava não era um Senhor de Castelo.
            Ferus recitava algum encanto com voz tão distorcida quanto a de Pilares que se convulsionava freneticamente, espumando de raiva. Ele cuspiu para o alto e acertou o jovem castelar que permanecia inalterável. Com aquela voz ensandecida, o assaltante berrou:
            – QUEM... É... VOCÊ?!
            – Ferus... Ferus Envolk...
            – NÃOOO!!! – no fim do grito, Pilares vomitou uma massa preta que fumegava e se mexia como se estivesse viva. A gosma andou e parou a uma certa distância.
            Ferus parecia estar exausto. Seus olhos ficaram brancos e desmaiou, o cabelo voltou a ficar azul. Pilares acordava do transe como se nunca tivesse sido dominado pelo Ilusionista. Sua memória estava fraca e só conseguiu perceber o amigo:
            – Nerítico? O que aconteceu? – ele cambaleava, completamente tonto, não conseguindo se sustentar direito e quando pode ver direito, deu de cara com Monaro. – Aaaaah! – e desmaiou também.
            – Alguém tem muito que me explicar... – disse Nerítico.
            – Pra mim também... – completou Dimios.
            – Vocês realmente não conhecem nada da Irmandade Cósmica... – a substância negra estava se mexendo de novo e rapidamente passou por entre as pernas dos Senhores de Castelo que estavam distraídos. – A gosma!
            – Ahn?!
            – O quê?!
            – Droga... O material vai acabar conseguindo voltar ao Ilusionista!
            – Temos outros assuntos para tratar. – conclui Dimios, sério, olhando o rastro gosmento. – Vamos voltar ao seu acampamento Monaro, temos de reunir os Senhores de Castelo. Agora só falta um...
            – Entendo. Precisam se reagrupar... Creio que vocês podem levar estes dois. Nas minhas costas é que eles não vão. – o açougueiro apontou para as costas cheias de espinhos.
            Nenhum dos dois riu, a piada não era engraçada com aquele clima estranho...
 

...
 

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