A Esperança
Dimios
estava fora do acampamento de Monaro, buscando uma resposta para resolver
aquele enigma:
– Eu nunca
enfrentei a Irmandade Cósmica antes... Como posso superar um inimigo sem
escrúpulos como eles?
– Comece
não desistindo... – Ferus se aproximou, depois de um bom tempo dormindo, estava
acordado, bem disposto e morrendo de fome.
– Vejo que
acordou.
– Minha
cabeça tem ficado muito estranha ultimamente...
– Você saiu
porque Vaik estava te olhando?
– Hoh! –
Ferus ficou envergonhado. – Como você sabe?
– O olhar
daquele menino parece percorrer a nossa alma.
–
Realmente... – ele pôs as mãos atrás da cabeça, segurando-a. – Só não entendo
porque ele tem que ficar me olhando o tempo todo!
– ... –
Dimios ficou em silêncio, observando a coloração azulada do cabelo do parceiro.
– Pare de
ficar me olhando assim! Até parece o garoto!
– É
justamente o que estou fazendo...
– O quê?! –
Ferus deu um passo para trás.
– Esta é
uma das artes anciãs... Conheça a teu inimigo como a ti mesmo. Cada reflexo do
seu corpo significa uma ideia que pode ser lida. Como a sua garganta se
mexendo, indicando que está entendendo o que estou falando.
– Você está
me assustando...
– ... –
Dimios deu um leve sorriso.
– Quê?!
Você sorriu?
– Por quê?
Não posso? – seu rosto voltou a ficar sério.
– Pode sim!
– Ferus ficou sem graça. – É que você sempre tem agido como o mais frio de nós
seis.
– Erros
podem matar pessoas... – sua fala era pesada, lembrando de algo em seu passado.
– Se eu deixar meus sentimentos falarem mais alto, posso ter baixas no grupo
que eu estou liderando.
– Só que
você está assim antes mesmo de receber as instruções... – Ferus cerrou os
olhos, fazendo cara feia para o parceiro.
– Não gosto
que olhem para a Garra de Sartel...
– Você
ouviu o que eu disse no atravessador? Ela é magnífica! Feita de uma liga
especial muito rara. Muitos matariam por esta relíquia! – Ferus movimentava os
braços com empolgação.
– É
justamente por isso que não quero ninguém olhando para ela. Ela me custou o meu
melhor braço... – Dimios pousou a mão no cotovelo da garra, como se quisesse
segurá-lo para não escapar.
– ... – o
jovem castelar ficou pensativo. – Posso vê-la? Juro que não vou roubá-la!
Dimios
ficou sério novamente, mas permitiu que o parceiro olhasse a sua arma. Ferus
verificou as juntas, uma por uma. Lembrando-se que seu cilindro não estava com
ele, pensou em sua lupa mágica que o ajudava a ver os menores detalhes. A força
que vinha da garra parecia transbordar, fazendo o jovem notar algo:
– Tem carga
estática aqui! – Dimios puxou a garra de volta.
– Já chega!
– o ziniano gritou alto, assustando Ferus pra valer, deixando-o triste e constrangido.
Ele saiu
andando, deixando Dimios para trás. Monaro vinha pelo caminho, foi ao seu
encontro e falou rapidamente com ele. Ferus pareceu animar-se e correu para o
acampamento. O Senhor de Castelo foi perguntar sobre o que era. O açougueiro
balançou a cauda espinhosa e respondeu ao olhar inquisidor que o encarava:
– Creio
termos encontrado o cilindro do garoto. Só não temos boas notícias de com quem
está...
– Não faça
rodeios, apenas diga.
– Meus
subordinados encontraram-no caído há poucos dias. Eles iriam matá-lo para me
trazer carne fresca, mas foram interrompidos por uma velha e fugiram. – Dimios
reparou friamente nisso. – Eles levaram tudo para a Árvore de Mil Olhos para
que ela lhes dissesse o que fazer com os objetos desconhecidos.
– O que é a
árvore de mil olhos?
– A última
árvore do planeta... Se bem que não dá para dizer que seja uma planta se ela é
feita de carne...
– Mais uma
criatura transformada pela irmandade?
– Não...
Pelo que me disseram, alguns velhos se sacrificaram num ritual mágico prevendo
a destruição do planeta. A anima do planeta tomou os seus corpos e os refez
nessa forma curiosa, cheia de olhos. Eles não querem que eu vá lá. A árvore é
sagrada para eles e me disseram que ela se irrita com facilidade... – Monaro
falava dissimuladamente, tentando esconder algo.
– Com tanto
tempo aqui, você nunca quis vê-la?
– Você é
realmente um castelar muito perspicaz! – disse, denotando alguma surpresa
dissimulada. – Não conte pra eles, eu já fui ver a árvore sim... Ela é
gigantesca! Tentou me matar. Consegui escapar sem ser percebido pelos outros.
Quero que eles se juntem a mim para que possamos abrir as portas do paraíso...
– Então é
verdade...
– O quê?
– Nada! –
agora foi Dimios que escondeu sua surpresa. – Os altarianos realmente possuem
um meio especial de atravessar o multiverso. Estou certo?
– Bem...
Isso eu não sei. Só ouvi falar. Quando me tornei açougueiro, vi que precisava
ser aceito por eles e eles me levaram até a aranha que guarda a entrada da
caverna da Árvore de Mil Olhos... Se bem que não é uma aranha, é uma mulher
gorda com quatro braços e quatro pernas muito peludas que cospe teias pela
boca, enfim... Ela tem um retalho de roupa com três quadrados brancos marcados
com um ponto no primeiro e quatro nos outros dois. Se me lembro bem isso
significa... Sessenta e quatro!
– Esses
quadrados são números?
– São... A
forma de contar dos altarianos não é decimal. Eles contam em grupos de seis. Os
pontos que estão na minha camisa dão... Quatro dados... Último grupo... Último
resultado... Mil quinhentos e cinquenta e quatro... Sim, mil quinhentos e
cinquenta e quatro. Estes números só são usados em algumas experiências, as
bem-sucedidas. Eu fui a milésima quingentésima quinquagésima quarta experiência
bem sucedida...
– Quanto dá
um quadro com três e o segundo com dois pontos?
– Nessa
ordem? Da esquerda pra direita? – Dimios afirmou com a cabeça. – Essa é fácil, vinte...
Já encontrou uma das experiências por aí?
– Sim... E
não foi nada bonito... – pareceu uma piada, mas o tom era de seriedade. –
Aliás, as criaturas que encontramos por aqui não são nada naturais.
– Pois é...
A vida natural se extinguiu há um milênio. Seria ótimo que algum mago poderoso
pudesse reestruturar a essência do planeta. Porém, temo que isso seja
impossível...
– As forças
mágicas do multiverso são imprevisíveis... – sugeriu o ziniano que apertou a
garra. Ele tinha certeza de suas palavras.
– É
justamente por isso... A força da anima do planeta está se extinguindo. Pode
parecer que a magia esteja no ar em altas concentrações agora. Estranhamente, há
quinhentos anos, a coisa era diferente. O planeta estava em seus últimos
suspiros e agora...
– Está
morto? – interrompeu Dimios, prevendo o pior.
– Sim. A
alma do planeta se foi e algo tomou o seu lugar. Imagino que possa ser...
– Mestre!
Os Senhores de Castelo querem falar com você e o castelar Dimios! – um serviçal
de Monaro interrompeu a conversa. O açougueiro mostrou os dentes com raiva. Assustado,
deu meia volta e saiu de vista.
– Vamos entrar, ainda temos muito
que resolver para ajudar o seu amigo a recuperar o brinquedo... – Monaro não
esperou e deu as costas para Dimios, que teve de desviar da cauda espinhosa e o
seguiu.
Ambos entraram na barraca
improvisada. O vento frio soprava, já estava anoitecendo...
...
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