Devil’s Drink 32 – Frio...
– Você tem
certeza disso?! – eu já estava quase gritando.
– Tenho!
Victório, você não confia em mim? – a bruxinha (ela tinha uma aparência
estudantil que escondia a idade) insistia no que falava.
– Comece de
novo... Não consegui entender direito... – eu estava aturdido com as palavras
dela.
– Vou
tentar explicar direito... – ela pigarreou, tomou uma dose da garrafa que eu
havia trazido e continuou. – O garoto que você está procurando foi levado por
demônios para um centro satânico. Seus poderes são cobiçados por diversos seres
sobrenaturais depois que todos souberam que foi você quem encarnou aquela
criança...
– Quem
poderia ter dito uma coisa dessas! Somente eu e o tio San sabemos disso!
– Se
acalme! Aparentemente eles prezam pelo bem estar da criança e ela sobreviveu...
– O que
aconteceu?
– O lugar
em que a criança ia ser sacrificada foi tomado pelo frio e todos os que estavam
no local morreram congelados... – olhava para ela com olhar inquisidor. – Juro
que é verdade! Fui até o local fazer uma projeção astral para um trabalho em
que fui contratada e banir as energias maléficas. Foi quando vi a criança...
Nunca vi uma aura tão fria!
– Fale! O
que aconteceu a ela?!
– Se
acalme! Já está saindo fumaça da sua cabeça!
–
Desculpe... É um mal de família...
– Bem,
depois vi um ser de luz levando a criança para um orfanato de freiras...
– Sabe o
endereço?
– Sim...
Depois que soube que você procurava por um ser como o que descrevi fui checar o
local exato em que o bebê estava. Tome, este é o endereço...
– E o
‘porém’?
– Como?
– O
‘porém’! Sua cara me diz que você tem medo de ir lá... O que aconteceu?
– Ah! Como
eu te disse, vários seres sobrenaturais querem o poder daquele bebê. Mas não
conseguem chegar perto por ser um local santo impregnado de energia protetora e
pacífica. Eles não conseguem entrar e ficam fazendo tocaia para pegar a criança
quando ela sair de lá...
– Eles te
perseguiram?
– Sim... –
a bruxinha tremeu sentindo calafrios. – Se eu não estivesse de vassoura a
postos para voar eu seria partida em duas!
Peguei algo
em meu bolso e dei a ela:
– Espero
que tenha valido a pena, não sabia que iria ser tão perigoso pra você...
– Ah! Vale
sim! – a moça estava admirada com a beleza reluzente do pequeno objeto esférico.
– Uma lágrima de dragão vale qualquer esforço!
– Obrigado
pelo serviço! – sorri para ela.
–
Precisando é só chamar! Faço qualquer coisa por uma lágri... Por você!
Fiz cara de
desentendido e sai da casa dela que ficava numa mata fechada. Com endereço em
mãos me dirigi para o orfanato Estella Maris. Realmente o lugar estava
infestado de seres sombrios e sedentos que se escondiam em qualquer sombra que
encontravam. Também senti que uma força superior protegia o lugar, transmitindo
paz e iluminação.
– Posso
entrar?– perguntei nos portões, onde não havia ninguém e eles se abriram. –
Obrigado por me deixar entrar...
Caminhei
morro acima, a velha construção do tempo dos padres jesuítas ficava bem no
alto. A estreita estrada de pedras era ladeada por lindas plantas que
floresciam abundantemente. As árvores, um pouco mais afastadas, também estavam
esplêndidas, exalando força vital pungente. Bati na porta:
– Alguém,
por favor? – ninguém veio. Estando destrancada, abri e entrei. – Alguém, por
favor?
Uma freira
de hábito branco apareceu no saguão, suas mãos estavam escondidas na roupa.
– Quem
deseja?
– Olá! Meu
nome é Victório Anthony, estou procurando por uma criança... especial.
– Vejo que
mais um pai solteiro veio adotar uma criança. Os tempos têm mudado de certo...
– ponderou a freira. – Me chame de Irmã Conceição, vou avisar a madre superiora
de seus intentos. Se quiser pode acompanhar a missa das nove horas, é só virar
a direita e seguir pelo jardim interior até a nossa igreja.
– Cl...
Claro! Estarei esperando lá! – estava meio sem jeito, havia me esquecido que
aquele lugar era um orfanato de freiras.
Passado
algum tempo ouvindo um longo sermão, após a missa terminar, a madre veio ao meu
encontro:
– Senhor
Victório...
– Estou
acordado! Estou acordado! – tinha adormecido. – Desculpe, igrejas são locais
tão calmos que acho quase inevitável não sentir uma vontade de dormir. A vida é
tão corrida que quando paro para rezar adormeço...
– Não tens
participado de muitas missas, creio eu... – a madre me olhava séria.
– Realmente
não... Se pelo menos houvesse mais locais como esse, quem sabe? É um lugar
realmente adorável!
– Sim,
nosso orfanato tem cuidado a muito tempo de crianças desprovidas de ajuda
familiar e tem feito isso com muito zelo, mantendo o lugar impecável. A
propósito, sou a Madre Maria, vamos ao meu escritório?
Acenei com
a cabeça e seguia a mulher de feições envelhecidas, tensas, porém gentis. O
escritório tinha móveis antigos e bem conservados, provavelmente da época
barroca, e com apenas um velho computador, um telefone e uma impressora
destoando do clima envelhecido. Sentamos um de cada lado da mesa e a madre
começou:
– Nosso
orfanato, como pode ter notado, funciona única e somente mantido por doações
dos pais que querem adotar uma de nossas crianças ou das próprias crianças que
retornam a este lugar esquecido no tempo para rememorar os tempos de
infância... O que desejas senhor Victório?
– Estou
procurando por uma criança que foi deixada aqui recentemente... – entreguei-lhe
um documento.
– É parente
dela?
– Sim... A
mãe morreu quando o bebê nasceu e alguém o trouxe aqui por não ter com quem
deixá-lo. Só fui avisado de que a criança estaria aqui ontem à noite e...
– Por
Cristo! Então você é parente daquele bebê! – a madre estava me deixando
desconfortável com aquele jeito preocupado. – Por favor, venha comigo, não
tenho boas notícias para lhe dar...
Segui a
madre para a parte posterior do orfanato enquanto ela me contava a história:
– Entenda
senhor, nós temos todo o cuidado com cada infante que trazem para cá,
especialmente aqueles que são trazidos e deixados a nossa porta por pessoas que
não tem como cuidar de suas necessidades...
– A
senhorita está me assustando... (é muito estranho dizer senhorita a uma mulher
idosa, mas fazer o quê? Freiras não são casadas!)
– Veja
bem... – a madre desconversava. – Tomamos todo o cuidado para cuidar de
Cristian...
– É um
menino? (eu já sabia, mas não poderia dizer)
– Sim, um
belo menino! Mas nascera muito fraco para a vida...
– O que
vocês fizeram com ele?
– Veja você
mesmo... – a mão envelhecida abriu um pequeno portão que dava para um jardim.
Não qualquer jardim, um cemitério de crianças!
Meu coração
se apertou. A madre apontou o lugar em que enterraram o bebê e caí de joelho
diante da cruz de madeira com o seu pequeno nome entalhado. Desesperado, cavei
a terra com as minhas próprias mãos até encontrar seu corpinho enrolado em
grossos panos de algodão. A respiração me falhava:
– Se acalme
senhor! É normal algumas vezes a criança parar de respirar durante o sono e...
– ME DEIXE!
A madre
correu para chamar o jardineiro, o único homem que mora ali perto, para que me
tirasse dali. Quando voltaram me encontraram chorando:
– Ele está
bem... Vejam... – mostrei-lhe que o pequeno de pele branca e cabelos dourados
chupava o meu dedo, dando sinal de vida. – Depois de passar um longo tempo
debaixo da terra, Cristian ficou com fome. Vocês têm leite?
As freiras
que acompanharam a madre quando ela voltara, admiradas com o acontecimento,
começaram a gritar atrás do portão:
– Milagre!
Milagre! Milagre!
Fui levado
à cozinha, onde prepararam uma mamadeira quentinha para o Cris que tomou
tudinho. Tão logo a madre superiora viu que ele estava bem, ela pediu o resto
dos documentos e eu os entreguei. Eram todos falsos, mas serviriam para o
propósito de expedir o documento necessário a adoção. No fim da noite, já
estava tudo certo e eu levaria Cristian comigo.
– Bendito
seja Deus que te trouxe até nós e nos impediu de cometer tão grande sacrilégio!
– dizia a madre. – Deixe-me que me despeça da criança abençoada que demos o
nome de nosso senhor com um beijo.
Consenti e
ela o beijou na testa. Sentindo que nada mudara na criança, demonstrou um olhar
atônito, estava sem palavras. Aproximei-me de seu ouvido e lhe disse baixinho:
– Ele é
assim mesmo... Frio!
A mulher
havia ficado paralisada com aquilo e segui meu caminho, com o portão se
fechando sozinho atrás de mim.
–
Obrigado... – disse sorrindo.
As
criaturas que esperavam do lado de fora ficaram me observando e o bebê se
remexeu nos meus braços:
– Nem ousem
cruzar o meu caminho! Não terei piedade de vocês se ousarem vir atrás desta
criança! – terminei a frase com um rugido estrondoso. Acalmando-me, falei com o
bebê. – Está vendo Cris? Eles não vão mais te perturbar...
Cristian
abriu os olhos e ficou me olhando com aqueles grandes olhos dourados, enquanto
eu me indagava:
– Quem será
que disse aquilo sobre você aos demônios?
...
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