O Caso Ferus
Assim que
foi permitido, Dimios passaria alguns dias em Zínio enquanto a Ilha de Ev’ve
tratava da população salva. Ele estava ansioso para rever Lacroh, seu filho
adotivo. Chegando ao seu castelo, uma surpresa, estava tudo destruído.
Preocupado, procurou pelo filho nos escombros. Não havia ninguém ali.
Lembrou-se de que o filho tinha alguns esconderijos nas redondezas, uma área de
mata verdejante e muito fechada, cheia de animais grandes e ferozes. Permeou o
lugar por umas duas horas, chamando pelo filho:
– Lacroh! –
e repetia. – Lacroh! Lacroh! Lacroh!
– Pai? – o menino
ouviu o chamado. – Pai! Estamos aqui!
– Pelos
deuses! – eles se abraçaram no reencontro, tal qual o rei Thagir de Curanaã ao
reencontrar o filho mais novo. – O que aconteceu com o meu castelo?
– Uns caras
maus apareceram... Eu e a babá nos escondemos aqui... Pai, eu previ com
perfeição a chegadas deles!
– Esse é o
meu garoto! – e ergueu o menino no ar com os dois braços.
– Onde
arranjou o braço novo, pai? – ele tateava, sentindo a temperatura natural.
– Um amigo
o devolveu pra mim... – as lembranças dos acontecimentos de sua última missão
deixaram-no nostálgico. – Onde está a babá?
– Vou
chamar ela... – o garoto riu enquanto tateava os troncos das árvores. – Ela não
gosta daqui...
Dimios
adorava ver aquilo. Lacroh tem uma habilidade muito especial, consegue prever o
futuro com seus olhos corais. Apesar disso, o garoto não consegue enxergar
direito a realidade e muitas vezes precisa da ajuda dos outros sentidos para
encontrar as coisas ao redor, olhando para o vazio.
– Ai! –
disse o menino que rapidamente chupou o dedo.
– Tudo bem?
– perguntou o pai.
– Tudo...
Foi só um espinho que me espetou... – o garoto continuava corajosamente pelos
troncos, sem medo algum. – Babá?! Meu pai voltou!
– Ahn? – a
moça estava dormindo por causa do cansaço da fuga. – Nossa! Ainda bem. Pelos
deuses!
– Você está
bem Niely? – perguntou o castelar.
– Estou seu
Dimios. O menino nos tirou de casa com antecedência. Bem que o senhor disse pra
mim que eu deveria levar as previsões dele a sério. Fiquei toda machucada
ontem. Lacroh corria por entre as raízes da floresta como um foguete. – um
zumbido de inseto soou. – Ai! São eles de novo!
Pai e filho
se entreolharam a sua maneira, e se divertiram, rindo da pobre babá.
– Pai?
– Sim,
Lacroh?
– Nós vamos
para a Ilha de Ev’ve?
– Não dá
pra esconder nada de você! – Dimios sorriu.
– Oba! –
Lacroh abraçou o pai com força. – Sempre quis conhecer o lar dos Senhores de
Castelo!
...
Passado o
tempo necessário a viagem de volta a ilha, Dimios se apresentou ao conselho.
– O que
consta no relatório confere, castelar Dimios?
– Sim, daimio...
Desejo que o Guerrin Ferus Envolk seja condecorado como Senhor de Castelo
oficial, sem ele possivelmente a missão teria sido um fracasso.
– De fato,
o mnemônico é incapaz de distinguir o passado do presente. Esta raça
extremamente rara nasce em poucos lugares do multiverso e coleciona memórias de
vidas passadas, por vezes desconhecendo a atual. Sendo que algumas delas já
haviam sido Senhores de Castelo, acredito ser plausível o requerimento.
– Obrigado,
daimio... – o ziniano ia se retirar.
– Castelar
Dimios?! – o daimio chamou lhe a atenção. – O processo ainda não acabou...
– Me
desculpe, regente supremo, prossiga.
– No
relatório consta que no pergaminho mágico que lhe foi entregue a premissa de
que o Filho do Fim deveria ser morto estava escrito?
– Sim,
algum problema? Pensei que a decisão fosse justa, tendo em vista o poder do
garoto...
– Por
Nopporn! Nunca lhe seria pedido que tirasse a vida de alguém! Muito menos de
uma criança! – a voz era enérgica sem ficar exaltada.
– Mas
então?
– O
pergaminho que lhe foi entregue foi manipulado... – Dimios ficou pensativo e
constatou os fatos.
– Concordo
com vossa opinião, excelentíssimo.
– É de
conhecimento geral que alguém também alterou as transmissões do restrito Informe
do Multiverso e nos enviou imagens do planeta sem nome recentemente. A profecia
do Templo do Fim anuncia que tempo difíceis virão e que mesmo os mais honrados
sofrerão as consequências... Sem mais, pode-se retirar.
–
Desculpe-me daimio, há só mais uma coisa que eu gostaria que fosse colocado nos
autos.
–
Prossiga...
– Lacroh! –
o garoto de pele morena e cabelos claros se aproximou. – Este é meu filho...
– Cuidar
dele te impede de cumprir missões? – o regente supremo já tinha conhecimento da
situação do castelar.
– Não
senhor...
– Então não
precisa se preocupar com nada. Cuide de seu filho como deve ser, apenas isso.
– Obrigado
daimio... – e os dois se retiraram.
– Agora eu
não preciso me esconder, pai?
– Não,
Lacroh... – o ziniano colocou o garoto nas costas.
– Eba! –
Dimios sorriu.
– Há só
mais uma coisa que eu preciso fazer...
– Vamos
visitar o tio Cardial?! – o guerreiro riu com o entusiasmo do filho.
– Você não
tem jeito!
...
Quarto
quadrante, planeta Geonova, status da Aliança do Multiverso - neutro; Dimios
viajou diretamente para lá. Ele e o filho conheceram o porto dos mares boreais,
a incrível cultura daquele lugar que mescla magia e tecnologias avançadas,
viram um pouco das incríveis criaturas incomuns que só existem ali e, pegando
uma nave espacial, partiu para uma das quatro luas daquele planeta, onde fica a
estação espacial e quartel-general dos Caçadores Sombrios. O prédio é uma
gigantesca pirâmide recoberta por vidros escuros, rodeado por quatro torres com
as bandeiras de Geonova, da Ordem dos Senhores de Castelo, dos Caçadores
Sombrios e o símbolo do rei daquele planeta, a estrela vermelha.
Na
recepção, a autômata Elatra recebeu o castelar e seu filho. Algum tempo depois,
saindo de um elevador, o Caçador Mascarado que trazia consigo um diabrete
vermelho no ombro levou os dois para o andar do Mestre Caçador. Ele olhava
pelos vidros filmados que impedem a radiação do espaço de penetrar o interior
da construção, mas que permite ver muito bem as estrelas. Ele vestia sua capa
preta com detalhes em vermelho:
– Em que
posso ajudá-lo?
– Vou
direto ao assunto... Porque Cardial está vivo? Eu juro que o vi morrer e agora
ele está aqui, como um Caçador Sombrio!
– Hun...
Por que o interesse?
– Tio
Cardial prometeu cuidar de mim!
– Lacroh! –
o mestre caçador mostrou empatia, sorrindo.
– E quem é
você pequeno? – o garoto se escondeu atrás do pai.
– Eu sou
Lacroh...
– Você é
filho dele?
– Eu sou! –
o menino acabou gritando com a empolgação.
– Bem,
Senhor de Castelo Dimios. – o mestre caçador ponderou. – O Caçador Mascarado
não é Cardial...
– Mas como?
Eu o conheço perfeitamente bem, tenho certeza que é ele!
– Veja bem,
é o mesmo corpo, sim. Por sua preciosidade, ele foi recuperado pelo manejo
genético do Doutor Tóxico. Seu rosto foi muito avariado e permanece sob a
máscara para proteção dos órgãos internos... Sua memória não é a mesma, ele age
instintivamente, auxiliado pelos controles instalados em seu cérebro... Como
posso explicar... Ele não é Cardial, apenas alguém com as características
dele...
– Isso não
está certo...
– Veja bem,
ele vai viver uma vida normal e atenderemos as suas necessidades...
Saindo de
perto do pai, Lacroh ficou animado e correu para abraçar o tio.
– Lacroh, o
que foi?
– O garoto é muito promissor, não
acha?
– Por quê?
– Ele já sabe o que eu vou
dizer...
– Pai! O tio Cardial vem com a
gente!
– Como? – Dimios olhou para o
mestre caçador.
– Seu filho deveria ser um
Caçador Sombrio, seus poderes podem ser muito bem aproveitados aqui...
– Ainda não entendi...
– Se Cardial prometeu te
ajudar... Acho que o Caçador Mascarado pode substituí-lo...
– ...!
...
Mesmo
depois de muita turbulência, mesmo depois da mais terrível das tempestades,
coisas boas podem acontecer...
...
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