Devil’s Drink 21 –
Aquilo que estava previsto...
En’hain
estava no telhado do bar, pensando naquilo que dissera a Gunshin quando ele
acordara: “Pai”.
– Aquele
desgraçado! Como ele pode me esconder isso o tempo todo! Eu sabia que tinha
alguma coisa errada entre eu e ele, eu senti isso esse tempo todo e ele não me
disse! – En’hain chorava compulsivamente. – Depois de tudo, eu era apenas um
substituto!
O
sentimento ruim lhe corroia o espírito. Sentindo que tudo estava para acabar,
era inevitável que passasse mal, muito mal, tanto que seu lado negro lhe subiu
a mente e começou a acometer-lhe alucinações:
– Você não
tem nada... Você é um inútil... Você é descartável! – a imagem de um En’hain
sombrio como as trevas falava-lhe no ouvido.
– Me deixe
em paz! Eu não quero falar com você!
– Você é
meu... Eu lhe disse que o amor não existe... Eu lhe disse que a felicidade não
existe... Tudo é passageiro... Eu havia lhe dito que você só tinha mais um ano
para conseguir encontrar o que procurava... E agora? Encontrou? Não!
– Cale a
boca! Cale a boca! Cale a boca!!! – En’hain gritava. Quem o visse naquele
momento o acharia louco por estar falando sozinho.
– Até o
final do ano... Nós já havíamos previsto e prorrogado a data por mais um ano...
Agora é a sua vez, coloque fogo em tudo! Termine de uma vez com o nosso suplício...
Não deixe sobrar nada! Acabe com os livros, acabe com os sonhos, acabe com o
passado... Apague tudo da nossa existência...
– Cale-se!
Eu não quero que diga o que eu já sei!
– Vamos,
depois disso, tudo o que você tem que fazer é viver uma vida que não é sua, um
trabalho na qual seu espírito nunca estará presente, viver uma infelicidade
infinita e...
– Não diga!
Não diga! Pelo amor de Deus, não diga!
–
...arranque esse sorriso falso que você mostra todos os dias paras as pessoas
fingindo não se importar, quando na verdade você está enlouquecendo a cada
momento, perdendo completamente o senso de realidade! – En’hain se movia pra
frente e pra trás com as mãos nos ouvidos. Sua sanidade fora completamente
embora.
– Eu só
quero que todo mundo esteja bem...
– Bem pra
quê? Seu estúpido, seu babaca, seu completo idiota! Eles não se importam com
você! Cada um deles tem problemas para resolver e não podem fazer nada para te
ajudar! Você precisa ser milionário para realizar os seus próprios sonhos, você
é fraco, miserável, nunca vai conseguir fazer o que queremos! Você nunca vai
conseguir dinheiro suficiente para produzir o que queremos...
– Eu nunca
vou conseguir abrir a caixa... – En’hain parou um pouco e se de conta disso,
ficando atônito.
– Nunca! A
caixa ficará fechada para sempre! Ela engoliu as suas esperanças e mesmo que
você a abra agora, nunca vai encontrar algo lá dentro! Nunca! Nunca vai haver
algo lá dentro!!!
– Eu...
Eu... Eu... – a chama de vida do barman sumiu de seus olhos.
– Sim! Foi
você! Não foi mais ninguém que fez isso! Veja! Veja a prova do crime em suas
mãos! – En’hain olhou paras as mãos e elas estavam vermelhas, vermelhas de
sangue.
– Eu
matei... Eu matei meu pai... Eu matei o dono do bar... EU MATEI GUNSHIN! – a
frase terminou com um grito.
Na parte
debaixo do bar, alguns nekos da vila dos gatos estavam se juntando ao ouvir o
grande herói da vila falar sozinho e gritar que cometera um crime. Liori, o
prefeito da vila, assim que ouviu sobre o que En’hain dissera foi conferir ele
mesmo se era verdade. Sem preocupações, pois conhecia a força de Gunshin, o
deus da guerra, ele entrou no bar. Ao sair, gritou a todos:
– Gunshin
está morto! Gunshin está morto! – o alvoroço estava dividido entre surpresa e
choro. O próprio Liori, o grande leão da vila dos gatos, rugiu em sinal de
tristeza, chorando amargamente pela morte do amigo.
O vovô neko
se aproximou de Liori, e começou a falar com a multidão:
– Onde
estão Gurei, Lady Neko, Sasha, Lidi’en ou Nox’en?!
– O quê?
Lady Neko não está com o senhor?! – Liori já estava enraivecido.
– Ela havia
saído a pouco do templo e ainda não encontrei a dona gos... Digo! Os
funcionários do bar! – percebendo a gravidade do caso, Liori, com sua voz
tremenda, ajudou o vovô a procurar pelos desaparecidos entre os nekos presentes.
– Onde
estão Gurei, Lady Neko, Nox’en e Lidi’en e o cão sarnento?! – definitivamente
Liori não simpatizava com este último.
– Alguém
viu qualquer um deles? Por favor, alguém viu algum funcionário do Bar Toca dos
Gatos?! – continuou o vovô.
Os gatos de
toda a pequena vila murmuravam entre si sem dar nenhuma resposta. En’hain
continuava no telhado, com a personalidade completamente apagada. Sua pele,
como era de costume quando estava lutando, se rasgou com os espinhos e as
escamas e deu lugar ao prateado metal do corpo etéreo do draconiano:
– Este é o
fim, o fim da Toca dos Gatos... Este bar não mais existirá... – diversas bocas
por todo o corpo de En’hain se abriram, mostrando os brancos dentes que traziam
consigo as chamas azuis do dragão do céu que habita o interior do barman.
A
transformação não parou como das outras vezes, ela finalmente atingia o último
estágio, a forma completa de dragão, com asas enormes e uma grossa cauda que de
tão comprida, chegou a tocar o chão. A face de En’hain se deformara mais do que
antes, o rosto liso e de poucas feições dava lugar a um semblante medonho, com
uma bocarra que trituraria tudo o que caísse ali dentro. O fogo começou, a Toca
dos Gatos estava completamente tomada pelas chamas incineradoras do draconiano
e aumentavam a cada segundo.
De volta ao
térreo, o Vovô Neko saía de dentro do bar com a triste notícia:
– Liori,
seja forte...
– Não!!!
Ela tem de estar em outro lugar!!! – o leão branco entrou no Bar tomado pelo
incêndio.
– Por
favor, escutem com atenção! – o vovô se dirigia ao povo. – Vamos para o templo,
pelo menos lá a parede de silêncio poderá nos proteger deste fogo calcinante!
As chamas
estavam altas e já tomavam as árvores que estavam ao redor do bar. Os nekos
corriam como podiam para se salvar, se atropelando para chegar ao templo dos
gatos com algum pertence que julgavam importante. A cena era como se o lugar
tivesse sido bombardeado por aviões na segunda guerra mundial.
A casa,
consumida pelas chamas, não pode mais sustentar suas estruturas e ruiu
totalmente. Liori não saiu a tempo...
En’hain
murmurava algumas palavras, mesmo naquele estado inconsciente:
– Por que as coisas não foram
diferentes? Por que tudo aquilo que era importante pra mim morreu em minhas
mãos? Por que eu nunca consegui fazer aquilo? Por que eu nunca fui amado?! POR
QUÊ?!!! – seu grito ecoava por toda a floresta do silêncio.
...