sexta-feira, 20 de abril de 2012

Drugs - Capítulo #4

Dormência


“Eu odeio as pessoas ricas, odeio de verdade! Elas são malditas, orgulhosas de seus feitos pelo próximo, se esquecendo deles alguns segundos depois. Em todos estes anos que estive “dormindo”, eu não estava… Via as pessoas ao meu redor tramando umas contra as outras, chegando a matar para conseguir esse maldito negócio chamado dinheiro. E tudo para quê? Se gastariam tudo em seus próprios enterros! A única coisa de que não me arrependo é de ainda continuar vivo…”

Codinome: BREATH


            As duas senhoras da alta sociedade conversavam entre si:
— Como pode acontecer isso com ele? E tão novo?
— Pois é… E sabe o que dizem?
— O quê? Conte-me!
— Que ele foi vitima de envenenamento!
— Meu deus!
            Todos olhavam para o jovem BREATH enquanto ele permanecia inerte no seu quarto no hospital das clínicas. O veredicto do médico fora aterrador para a pobre mãe (ao menos era o que parecia), quando este disse:
— Ele entrou em estado de coma e pode nunca mais acordar.
            Rapidamente o pai, que chegara a pouco do trabalho, disse a esposa:
— Querida, o que faremos? — A mulher estava congelada em pensamentos que assustaria qualquer mãe normal.
— O que você acha de escondermos ele?
— O que está dizendo? Ficaste louca?
— Não! A ideia é perfeita! Poderíamos criar o filho da empregada que tem a mesma idade que ele, apresentá-lo para a sociedade, enquanto ele ficaria em casa aos cuidados de alguma enfermeira muito bem paga…
            Por mais estranho que pareça, o marido aceitou calado a proposta da esposa. Eles fizeram tudo direitinho. Nenhum fotógrafo ou jornalista sensacionalista perceberia o acontecido. A empregada até pensou em negar que fizessem isso com o filho, mas a possibilidade de ter um filho na alta sociedade, bem cuidado, tendo do bom e do melhor lhe subiu a cabeça e cedeu aos patrões. Logo, a capa que estaria estampada nos jornais seria a do filho do grande casal Borgia das indústrias farmacêuticas completamente recuperado. Um plano muito bem arquitetado, diga-se de passagem.
            Os anos se passavam e o garotinho BREATH ia crescendo e se tornando um rapaz enquanto “dormia” em sua cama de luxo num quarto secreto da mansão Borgia. Na época do acontecido ele tinha apenas dois anos. Agora, mais de dez anos passados, já no ano de 2010, BREATH teria quase quatorze anos. Ele via tudo acontecendo em sua casa. Tudo! Pois ninguém sabia que conseguia se projetar para fora do corpo e assimilar o que acontecia ao seu redor melhor do que conseguiria se estivesse acordado. Para o azar dele…
            A família Borgia não é a melhor família do mundo, disso pode-se ter certeza. No entanto, a perfeição e a humildade estão muito longe de serem conquistadas. Fato é que muitas vezes o senhor Borgia trazia prostitutas à própria casa, enquanto a senhora Borgia era uma sádica que maltratava horrivelmente os empregados, chegando a pisar em suas cabeças com seu sapato de salto agulha. Dizem que alguns já morreram desse jeito, mas, como foram tirados da miséria completa, negligenciam suas vidas pela migalha de cada dia, é o que dizem…
            As tramas que esse casal diabólico maquina, não são apenas dentro de casa, são para fora também! Muitas vezes se ouviu dizer nos jornais: “Escândalo na família Borgia, senhor Borgia é indiciado por fraude.” Ou então: “Família Borgia mantém negócios com traficantes do PCC.” Enfim, eles literalmente vendem “remedinhos” no mercado do tráfico. E, claro, nada disso nunca foi provado, por causa da velha incompetência brasileira ao se deixar vender por alguns milhares de dólares ou então ao permitir que seres corruptos subam ao poder. Como não poderia deixar de ser, sempre mostrando que são uma família correta e digna, com um filho muito especial e dedicado, um verdadeiro gênio, deva-se dizer…
            BREATH via tudo, BREATH sabia de tudo, volto a repetir. Uma vez, seu pai, não querendo ser pego com uma prostituta pela esposa. Escondeu-se no quarto do filho enquanto a enfermeira não chegava para verificar como BREATH estava – na verdade estava bebendo alguma coisa na adega. O senhor Borgia, um tanto afoito, começou ali mesmo. Ele, como animal que é, sempre fazia aquilo com muita força, talvez fosse uma maneira de bater em algo para aliviar a raiva reprimida. O fato é que, daquela vez, algo tinha dado errado. Quem sabe fosse realmente a força do individuo ou a fraqueza daquela pobre moça… Mas o óbito fora inevitável. A desova do corpo não fora difícil, o problema é que desde então a imagem do filho na lhe saia da cabeça. Ele pensava e ria consigo mesmo:
— Ele não pode ver nada, ele não sabe de nada…
            A senhora Borgia não ficava atrás. Seus castigos aos empregados não eram nada bonitos de se ver, principalmente se o marido não estava em casa. Mas o seu principal alvo era o suposto filho que, por causa da idade, nem percebeu a diferença quando passou a dormir num quarto distante do da verdadeira mãe. Aliás, a empregada sumiu misteriosamente depois de gritar com a patroa quando esta bateu violentamente em seu filho por ele ter quebrado sem querer um vaso caríssimo. Aquela mulher não tolera crianças…
            Os Borgia sempre davam do bom e do melhor para o filho substituto, ele ganhava presentes quase todo dia, pode-se dizer. Ele até que era bem tratado. Mas, não se engane, o tímido garoto não era bem tratado pelos pais. Na verdade, quem cuidava dele eram os empregados, quem comprava os presentes era a secretária do senhor Borgia. Seus “pais”, dificilmente o viam, uma ou outra vez apareciam em casa e falavam com o garoto. Outras vezes era usado para aparecer em festas como se fosse o troféu da família perfeita. Uma das poucas palavras que disseram a ele foi: “Nunca seja um sem nome como aqueles mendigos na rua”. Isso, para uma criança em desenvolvimento foi quase um choque, um pouco irrelevante, já que ele tinha um nome, mas em seu coração ele sabia que o significado daquilo era muito mais profundo.
            Certa vez, o senhor Borgia, depois de ver o “filho” dormindo, entrou e saiu do quarto do filho verdadeiro sorrateiramente, sem fazer barulho. Na verdade, o substituto fingia estar dormindo e conseguiu ver o pai entrando e saindo daquele lugar secreto. Provavelmente, por ser um garoto curioso, entrou logo em seguida a saída do pai. Lá encontrou BREATH e, desconcertado com a cena, sentiu pena do garoto. Não entendeu o que os seus pais faziam com uma criança igual a ele dentro de casa. Mas, sentiu que o conhecia, talvez de seus sonhos…
            A partir daí, o garoto passou a visitar BREATH com frequência, contando suas histórias na escola, suas brincadeiras com os empregados quando os pais saiam, contava seus sonhos, que parecia que o conhecia e que uma vaga lembrança incerta dizia que eles eram irmãos, um devaneio seu por causa do sentimento que alimentava pelo “garoto do quarto secreto”. Posteriormente, ele iria conhecer a enfermeira e se amigar com ela, para que ela contasse quem era o menino. Não perguntou diretamente. Esperou que ela se encontrasse bêbada como sempre fazia na ausência dos patrões… Chegou perto, lhe serviu mais um pouco, ouviu os soluços e finalmente perguntou:
— Quem é o garoto de quem você cuida? — Completamente bêbada, ela respondeu:
— É você! Oras! Não é você que está… que está… (soluços) em coma?
— Como assim? — Ficando assustado.
— É… (soluços) Quando você tinha dois anos… você entrou misteriosamente… (soluços) em coma… Então eu fui com… (soluços) tratada para cuidar de você escondido do mundo todo! O mundo todo! Ueba! — Ela fazia gestos esquisitos, iguais aos de pinguços quando tentam falar com alguém. — Ah… tem mais uma coisa (soluços) uma empregada… me disse uma vez que o filho dela seria muito rico. Sabe como é… eu duvidei, chamei ela na chincha, e disse: “Duvido!” E ela… (soluços) me disse que o filho dela era você! Mas eu tô cuidando de você naquele quarto, não tô? (soluços) Como é que pode?
— …
            O garoto não entendeu nada, mas pensou um pouco e encontrou a resposta desse enigma, correndo até o quarto de BREATH. Chegando lá, esbaforido, olhou BREATH atentamente, lágrimas rolavam por seu rosto enquanto dizia a si mesmo: “Não pode ser, não pode ser! Eu não sou um sem nome!” Num impulso egoísta, desligou os aparelhos que mantinham BREATH vivo. Se recostou na parede, escorregando ao chão e encolhendo-se em posição fetal, abraçando as pernas. Ficou ali parado, na esperança de que ele ainda fosse o filho de seus pais, de que ele ainda tivesse família, de que ele ainda tivesse algum nome… Sem querer, acabou dormindo.
            O sonho daquela hora fora diferente dos demais, ele podia ver claramente tudo o que estava acontecendo. Alguém o abraçou fortemente por trás, ele pensou ser sua mãe… alguma mãe que o amava. Olhou e viu o verdadeiro BREATH, de pé ao seu lado. O garoto sem nome congelou. BREATH disse algumas palavras inaudíveis como em qualquer sonho e o garoto acordou, dando de cara com o senhor Borgia que o via ali. Tentou se levantar e explicar, mas foi pego pelo colarinho e arrastado a força até o seu próprio quarto. Lá, foi jogado na cama e trancado a chave. Passou a noite toda temendo o que aconteceria na manhã seguinte.
            Durante a noite, a casa foi invadida. Não eram policiais, nem ladrões, nem a máfia querendo ajustar contas. Aquelas pessoas eram diferentes. O garoto sem nome ouvia os barulhos que as pessoas faziam com muito medo, escondendo-se debaixo das cobertas. Ouviu a porta ser destrancada e alguém entrando. Molhou a cama sem querer. De súbito, lembrou-se que amanhã era seu 14º aniversário. Ele chorava muito e, quando puxaram as cobertas, desmaiou.
            Em seus sonhos, via algo magnífico, um lugar cheio de plantas e árvores, com um santuário gigante no centro. Parecia o centro de uma grande praça. Olhando para cima, viu o nome ARCADIA. Lembrava-se desse nome dos livros que estudava, de vez em quando, quando era obrigado. ARCADIA significava um lugar de paz, um paraíso onde, no entanto, a morte chega. Pensara que talvez fosse o lugar onde morreria, pois não tinha mais ideia do que seria sua vida dali pra frente…
            De dentro do templo, estava saindo alguém. O garoto se escondeu atrás dos arbustos. O ser que se apresentava então falou:
— Não se esconda, eu sei que está aí!
— Vá embora, eu sou ninguém!
— Ora, que mentiroso! Eu sei quem você é! — Percebendo o achado, o garoto saiu de seu esconderijo lentamente.
— Então me diga, quem eu sou? — BREATH se aproximou, era ele quem estava ali.
— Vamos, venha cá, não vou te morder. — O garoto foi se aproximando.
— Por favor, me diga quem eu sou! — BREATH chegou mais perto e o abraçou novamente, com muito carinho. O garoto tentou fugir, não conseguindo, começou a chorar.
— Eu já te disse antes e repito agora. Você é o meu meio-irmão, seu codinome é SHY. — Sim, SHY, agora ele sabia quem era e, sabendo disso, olhou o irmão nos olhos por um instante. Depois o abraçou forte, sem, no entanto, parar de chorar.
— Calma, está tudo bem agora. Eu vou cuidar de você. — SHY se acalmou, soltando o irmão. Estava um pouco envergonhado, não sabia o que dizer. Então BREATH disse:
— Vamos entrar? Os membros da Drugs estão nos esperando…

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Imagem monstro


Eu gostei muito dessa imagem, eu tinha que postar ela em algum lugar!
Site original da imagem: http://www.edrodrigues.com.br/blog/item/interessantes-gifs-em-3d

Drugs - Capítulo #3


Fala sério!

“Eu não tinha ideia do que seria. Francamente, minha vida nunca foi tão especial quanto agora que faço parte da Drugs. Antes dela, minha vida era uma banalidade… Durante a escola eu não era nem o gênio que sentava na frente, nem o bagunceiro do fundão. O fantasma que perambulava por aí agora se tornou alguém!”
 Codinome: SLASH

            Ano 2010. 17 anos. SLASH vive sozinho, no fundo da casa de uma tia que atualmente saiu para viajar. Logo ele faria 18, então ela não se importou muito se algo acontecesse com SLASH enquanto ela estivesse fora. Pai? Nunca conheceu. Mãe? Uma prostituta que o abandonou assim que nasceu para voltar a sua labuta. Amigos? Não tem…
            Trabalha em uma lojinha de conveniência. Da mesma forma que em casa, ele sempre passa despercebido. Quase sempre ouve um “não te vi aí” ou “você já tinha chegado?”. Se sente triste e solitário, mas se sente confortável, a solidão é sua “companhia”. Tem um estilo punk, cabelo sempre para o alto, mudando sempre que pode, piercing na boca, na orelha e na sobrancelha. Às vezes passa um lápis preto quando está na moda ou usa aquelas calças super apertadas, não muito, incomoda andar na rua desse jeito. Sempre que está frio, ele põe um sobretudo preto que comprara na Galeria do Rock no centro, assim como seus coturnos ou botões. Na camisa preta estão estampados os mais diversos logos de bandas de rock, punk, alternativo e o que for “do momento” que lhe esteja agradando. SLASH tem uma paixão secreta, ele adora mangás, os quadrinhos japoneses.
            Desde que começou a trabalhar aos 12 anos, descobriu esse mundo alternativo na banca de jornal. Comprou simplesmente porque a capa era interessante, não parou mais depois disso. A maioria dos garotos que leem mangá se apaixonam pelos seus traços e tenta imitá-los, com ele não foi diferente, SLASH, também desenha.
            Por trás do garoto de poucas palavras, existe um artista que clama para sair. Com lápis e papel são criados os mais diversos aspectos da realidade “alternativa” que ele desenvolveu para si.
            Conforme o tempo passou, seu quartinho foi ficando cheio de imagens esquisitas e transversas, roubadas de algum lugar e misturadas com algum sonho que deu errado. Por vezes era medonho, por vezes era simplesmente incrível! No entanto, para sua tia amarga, era apenas lixo que o filho daquela mulher trazia pra casa.
            Uma noite, aquela “velha”, como ele a chamava, cheia de raiva que tinha levado um calote de uma cliente, resolveu limpar a casa, TODA a casa. Deveria ser uma maneira de se acalmar, talvez. Ao chegar do trabalho, SLASH sentiu um cheiro de queimado vindo do quintal dos fundos. Correu e viu aquela cena que, para ele, era extremamente diabólica: sua tia pegara tudo, os papéis, os mangás… todo o trabalho e esforço dele e estava queimando tudo. O que se sucedeu a seguir é quase impronunciável. Deixar-se-á para o leitor pensar no que acontecera da melhor maneira que lhe vier à cabeça. Mas deixa-se claro o desfecho:
            —Moleque maluco, você me paga! Eu deveria tê-lo deixado na rua desde o dia em que aquela vagabunda te deixou aqui! — SLASH recolhe os últimos papéis que sobraram, abraçando-os fortemente e entra no seu quartinho, fechando bruscamente a porta, passando dias lá dentro, chorando…
            Depois daquele dia triste em sua via, as lágrimas secaram, ficara rude e mais quieto que antes. Não mais falava com a tia, que também não se importou com a indiferença. Não desenhava mais, de vez em quando tentava algum esboço quando tinha papel e caneta na mão, algo inconsciente, deva se dizer, parando assim que se lembrava do que havia acontecido. Continuava comprando mangá, apenas deixando os infantis e comprando qualquer título impróprio para menores. Pode não parecer, mas ele aparentava ser mais velho do que realmente era.
            O ano 2010 havia chegado, sua tia tinha saído de viagem sem se importar com o que aconteceria com ele, pois logo ele faria 18 anos. É aqui que realmente começa nossa história, no dia em que o mangá de capa preta foi comprado.
            Levantou-se cedo, queria sair o mais rápido possível daquele lugar. Iria sumir, procurar uma casa para alugar e se mandar da casa da tia. Tudo planejado há semanas! Arrumou sua trouxinha de coisas na mochila, não era muito mesmo. Saiu de casa e foi andando. Pegou um ônibus e foi ao centro, passaria pela Galeria do Rock, depois numa livraria para comprar um jornal e iria lanchar qualquer besteira. Foi o que fez. Na livraria, olhou por diversos títulos antes de pegar o jornal, era um costume bobo, só para ter a sensação de que os livros não estão tão distantes de seu alcance financeiro. Então ele viu uma seção especial atrás de uma cortina, achou interessante e passou para o outro lado. Deu alguns passos adentro e a abertura por onde havia passado desapareceu…
            Não havia notado de início e olhando distraidamente foi entrando cada vez mais. Ali havia títulos sem nome, de capa preta; o ambiente era sombrio e empoeirado, a luz se mostrava fraca, mas dava para enxergar tudo muito bem. O corredor dava para um balcão com uns três metros de altura e com um atendente enorme que estava de costas e agachado fazendo alguma coisa. A sensação era de que o corredor estava crescendo, talvez fosse alguma vertigem, talvez. SLASH tentou voltar e percebeu que a entrada não estava mais lá:
            – Que merda é essa! — SLASH tapou rapidamente a boca, voltando-se lentamente para o balcão.
            O atendente ouviu e parou com o que estava fazendo, levantando-se. SLASH viu o que parecia um enorme gafanhoto de olhos amarelos, um louva-deus na verdade, vestido como um funcionário da livraria em que estava agora a pouco:
            — Vejo que o senhor veio buscar o seu livro?
            — … — Como era de costume, SLASH não falou.
            — Ah, sim, como sou esquecido! O senhor não gosta de falar, não é? — SLASH fez um sinal de sim bem retraidamente. — Bem, bem… eu estava procurando por ele agora mesmo. Onde será que eu o deixei? Onde será… Ah, sim! Esta na prateleira 20, corredor 10, numeração 18! Poderia ir buscá-lo meu caro?
            — … — Novamente o sinal com a cabeça.
            — Que bom, assim terei mais tempo para organizar isso tudo. Não conte pra ninguém, ouviu, você não viu nada… — O atendente louva-deus retornava para debaixo do balcão.
            “Que esquisito”, pensou, “esse bicho me conhece”! Não entendendo exatamente o que estava acontecendo, foi procurar o tal livro. Aquele lugar parecia ser enorme, se desdobrando cada vez mais. As numerações estavam diminuindo, começando do corredor 100. Chegando ao 10, viu de um lado as prateleiras ímpares e do outro as pares. Teve de subir nas escadas. Na prateleira 20, haviam diversos livros, do 00 ao 99, não eram grossos como a maioria, sua aparência lembrava mais a de um… mangá!? Sim, tamanho A5, capa simples, completamente preta, com o nome SLASH na capa. Desceu as escadas e começou a folheá-lo. Estava em branco. “O que será isso”, indagou-se. Decidiu voltar até o balcão. Andou, andou… Não conseguia chegar! Os número, antes previsíveis, mudaram de cara, pareciam em outra língua ou coisa assim. Olhou para um lado, olhou para o outro, sempre a mesma cena, estantes e mais estantes. Tentou correr… nada! Sentou-se e abriu novamente o livro. Desta vez havia algo escrito na última página: “Vire-se”. Sentiu um ar frio soprar em seu pescoço e virou-se. Viu a cortina e, tão logo quanto pode, levantou-se e saiu daquele lugar. Olhou assustado para as pessoas que estavam na livraria concentradas, vendo se encontravam alguma coisa para levar. Virou-se novamente, novamente não havia mais nada lá… Pegou o jornal e saiu andando depois de pagar. Foi para uma lanchonete, onde se sentou, psicologicamente exausto, precipitando-se na cadeira. A garçonete foi anotar o seu pedido:
            — O que vai querer senhor?
            — Um X-burguer , batatas e uma coca na latinha, por favor.
            — Já trago o seu pedido… Vai querer um copo?
            — Ahn?
            — Um copo senhor?
            — Sim…
            SLASH estava ainda muito desnorteado. Resolveu então pegar novamente o livro… na última página estava escrito outra coisa agora, o que causou um sobressalto em SLASH, que lia o seguinte: “Bem vindo a Drugs”…

terça-feira, 17 de abril de 2012

Drugs - Capítulo #2

Drogas, nem morto!


“Por que eu aceitei? Eu não sei… acho que queria experimentar, talvez. Pensei que seria algo novo, uma transcendência espiritual inovadora. Agora que me lembro, eu odiava a cor amarela, na verdade acho que tenho ódio de tudo que é amarelo. Eu não enxergo muito bem as cores, às vezes sou daltônico, confundo amarelo com preto ou preto com amarelo. Bem, é o que me disseram…”

Codinome: BLACKOUT

            Era uma manhã nublada de São Paulo, o sol subia em meio aos prédios pingados do sereno da noite anterior. BLACKOUT acordou em seu apartamento na Avenida Paulista, sentindo o frio devorando suas pernas, deveria ter colocado outro cobertor antes de dormir…
            Depois de algum tempo se esquentando, olhou para o relógio ao lado do retrato da sua falecida esposa. Fitou o quadro ao invés do relógio por alguns segundos, tendo algum devaneio de pensamentos, olhando então para o relógio. “Por que eu acordei?”, perguntou-se ele, “eu não preciso acordar”…
            Casualmente, BLACKOUT era um solitário, não gostava de acordar cedo. Sua renda bastava para suprir o aluguel, o mercado, alguma ou outra regalia suada, isso bastava pra ele. Tinha 21 anos. Foi então que conheceu Naoko, uma descendente de japoneses recatados que morava na Aclimação. Conheceram-se naquela mesma Praça da Aclimação, num dia de evento qualquer, que por um acaso tocava um bolero… ou era uma polca? Não importava, fez questão de conseguir um CD com aquela música como simples pretexto para vê-la novamente. Se conheceram melhor, se tornaram amigos, Naoko conheceu a família de BLACKOUT, BLACKOUT não conheceu a família de Naoko, achou estranho ela não querer falar nada sobre a família, não se importou, estava apaixonado! “Viva a Naoko!”, dizia sempre que bebia com os amigos.
            Uma noite, em mais um encontro de amigos, BLACKOUT pretendia se declarar para Naoko, mas o destino não foi tão agradável com ele. Naoko estava noiva de um rapaz nascido no Japão que queria levá-la para morar com ele. Isso não saía da cabeça dele. Aproveitou que Naoko se distanciou dos amigos por um instante e foi atrás dela. Perguntou-lhe o que havia acontecido:
            — Naoko, por quê?
            — Como assim? Apenas estou noiva, oras!
            — Você mão me ama?
            — Minha família nunca iria aceitar nossa relação, mesmo sendo amigos, então, esqueça! — Naoko saiu apressadamente.
            BLACKOUT não se conteve, foi atrás dela sem que ela percebesse. Saiu de carro depois que ela pegou um táxi. Foi na surdina, sempre fora do alcance do retrovisor do táxi. O táxi parou em frente a uma casa simples e familiar da região da Aclimação. Parou o carro lentamente do outro lado da rua, estava escuro, ninguém percebeu nada. Naoko pagou ao taxista e o despediu. Procurou as chaves dentro da bolsa, que subitamente caiu no chão… BLACKOUT havia agarrado-a pela cintura:
            — Diz que não me ama? — Falou em seu ouvido.
            — Me solta, nossa relação não vai dar certo. — Naoko não queria gritar, poderia ser muito ruim acordar a família aquela hora.
            BLACKOUT virou-a para si, olhou profundamente em seus olhos… beijou-a com mais paixão do que um poeta poderia descrever com suas meras palavras. As luzes da casa de Naoko ascenderam e a porta se abriu, era o pai de Naoko. A moça já estava aos prantos, mas BLACKOUT não a largava. O senhor Takashi começou a gritar e a berrar:
            — Se não largar a minha filha seu vagabundo, eu atiro em você! — Um revolver tremia em suas mãos.
            — Tá vendo o que você fez! — Gritou Naoko.
            — Olha o respeito, meu senhor, sou rapaz digno, trabalhador e eu amo sua filha! — Naoko sentiu seu rosto enrubescer.
            — Larga a minha filha! — Pegou-a pelo braço e colocou-a dentro de casa. — E você, seu sujo, fora da minha vizinhança! Não quero ver gentinha como você por aqui de novo senão eu chamo a polícia!
            BLACKOUT ouviu ao fundo sirene do carro de polícia, provavelmente a mãe de Naoko chamou a polícia antes que algo ruim acontecesse.
            Depois de algum tempo, perguntando para alguns amigos em comum descobriu que Naoko não estava noiva quando conheceu BLACKOUT, na verdade sua família não via com bons olhos… os negros! “Espere aí”, pensou ele, “eu sou negro”? Havia algo de errado, sua pele era parecida com a de Naoko, o que estava acontecendo?
            BLACKOUT foi ao médico, tentou descobrir porque ele era negro, se ele se via tão parecido com sua amada. Quando chegou ao oftalmologista, foi diagnosticado com daltonismo. O médico chegou a pensar que poderia ser uma distorção mental causado por trauma na infância, pois era um daltonismo extremamente incomum, e o encaminhou ao psicólogo para tentar resolver o caso. BLACKOUT ficara tão desnorteado com o caso de sua paixão que nem retrucou se devia ir ou não ao psicólogo. Ou, no caso, psicóloga…
            Durante toda a sua vida, viveu como um branco, se sentia branco, foi explicando à médica… “Não entendo, eu sou negro?”, disse, bebendo um copo de água. A psicóloga, indicada pelo oftalmo, não falava, apenas escrevia. “Você está me ouvindo?”, perguntou ele para ela…
            De repente, o mundo começou a girar e um buraco no chão engoliu o divã como uma boca que se delicia com sua refeição. BLACKOUT estava atordoado, caído no chão, era um lugar escuro, a única luz vinha do buraco acima de sua cabeça, ao redor parecia haver espelhos, num total de seis, que o refletiam. Ao se levantar, BLACKOUT se via ali, perdido, olhando para si mesmo. Tentou gritar pela psicóloga, a voz não saía. O divã, do nada, começou a se dissolver e desapareceu no chão, no lugar havia um pedaço de terra, assim que começo a receber luz, um pequeno brotinho começou a sair do chão. Ele crescia, crescia, crescia… surgiu um botão, enorme! Nenhuma flor normalmente chegaria aquele tamanho. Uma flor amarela, talvez preta, começou a se abrir, revelando em seu miolo um espelho de mão redondo de uns vinte e cinco, trinta centímetros:
            — Pegue. — Disse a flor.
            — … — BLACKOUT pegou o espelho e viu, dessa vez, um homem negro. — Sou eu?
            — Sim. — Disse a flor enquanto regredia para o brotinho e desaparecia.
            — Então eu sou assim? — Uma lágrima escorregou pelo canto do rosto. — Por quê?! Meu Deus, por quê?!
            BLACKOUT retornou a si, estava de volta ao consultório, mas continuava a gritar. A psicóloga tentou acalmá-lo. BLACKOUT parou, pois havia reparado na blusa da psicóloga, a mesma flor estava lá, aquela flor amarela:
           — Essa flor, essa flor… foi ela que me deu o espelho! — BLACKOUT caiu do divã se afastando da doutora.
            — Você se lembra? Como? — “Ninguém normal é capaz de se lembrar das intervenções psíquicas.” Lembrou-se a médica. — A não ser que… Enfermeira!
            Naquele tumulto, BLACKOUT recebeu uma injeção de calmante. Foi acalmado na mesma hora e dormiu. Acordou em um lugar branco, no centro de um grupo de pessoas encapuzadas dispostas uma do lado da outra em círculo:
            — Onde estou? Que lugar é esse?
            A psicóloga, seu codinome era ROSA, retirando seu capuz, disse:
            — Bem vindo à sociedade psicanalítica Drugs.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Drugs - Capítulo #1


Mundos Paralelos

“Era tarde… Eu não sabia por que era tarde, mas era tarde, estava atrasado. Precisava ir a algum lugar, em algum lugar, não me lembro de que lugar era. Acho que era para o meu primeiro dia de trabalho, eu tinha 19 anos, sim, eu estava atrasado para trabalhar. Mas onde? Não me lembro…”


Codinome: ZERO

            O quarto girava, o despertador tocava insistentemente. Alguém grita de fora do quarto: “Desliga essa porra! Eu quero dormir!” ZERO desliga o relógio, se põe de lado na cama, se senta, a dúvida continuava: “O que eu precisava fazer mesmo?”
            ZERO vê uma muda de roupa em cima de uma cadeira. Era seu primeiro dia de trabalho. Troca-se, estava desnorteado com sua existência, alguma coisa estava faltando, não sabia o que era. Olhava e reolhava, estava tudo lá, terno, gravata, sapatos novos… Sim, estava tudo lá. Era realmente aquilo que ele queria? Aparentemente, faltava alguma coisa…
            Saiu do quarto, foi ao banheiro, tudo silencioso. Ao sair, depois de escovar os dentes, fazer aquela barba chata, novamente, o silêncio. Todos estavam dormindo, mais ninguém na casa precisava levantar naquele horário. Era cedo, mas estava atrasado, poderia não chegar a tempo no primeiro dia. Queria estar lá, estava tão entusiasmado dia passado, queria tanto mostrar disposição… Não, o sentimento mudara. Um vazio se faz presente agora. Sentia-se necessário em outro lugar, em outro tempo, em outro espaço, não sabia por que, apenas sentia.
            Não tomou café da manhã, saiu correndo no impulso depois de olhar que horas eram. Realmente, ele estava muito atrasado. O dia ainda não tinha clareado, era cedo, o paradoxo persistia em sua cabeça, estava confuso. Pegava o trem que saía… não lembrava mais o horário, pegaria o primeiro que viesse. O dia já amanhecia e os primeiros raios de sol já coloriam o céu cinzento de São Paulo. Notou algo estranho, não havia mais ninguém, nenhuma alma viva naquela plataforma. ZERO lembrou-se do que seu pai dizia quando também ia para aquela estação de trem, de que sempre havia muita gente, de que todos se apertavam só para chegar cedo. Não havia ninguém ali. Achou estranho, mas decidiu não ligar, precisava ir para o trabalho. Esperou, esperou, esperou. Nada. Decidido a encontrar alguém que lhe dissesse que horas eram, desceu da plataforma. Olhou para um lado, foi mais a frente. Nada. Decidiu voltar. Ao chegar lá, havia uma multidão de pessoas esquisitas: “Nossa!” pensou consigo, “Estou no mesmo lugar?”. Verdadeiramente, estavam lá seres diferentes e bizarros. ZERO não entendeu o que aconteceu naquele momento… O trem chegou, não sabia o que fazer, entrava com todas aquelas coisas ou deixava irem na frente? Estava atrasado, decidiu entrar, ficaria quieto e nada aconteceria.
            O coração palpitava, estava com muito medo. De um lado um careca de um olho só, mais alto que ele com um nariz aquilino mais pontudo que o normal ostentando sua barbicha longa que deixava seu rosto pontudo mais pontudo ainda; do outro uma espécie de lagartixa gigante, roxa, vestida de sobre tudo marrom cor de terra, ereta como bípede, encostada na parede. Olhando para os bancos via vovozinhas com cabeças quadradas e tiozinhos com rostos lisos e redondos, ambos com peles translúcidas que permitiam ver o interior das cabeças. Tanto as vovozinhas, quanto os tiozinhos tinham, respectivamente, cérebros quadrados e redondos. Além desses, havia quatro seres baixinhos, vestidos de menininhas, cabelos de menininhas, trejeitos de menininhas… com rostos desfigurados! Depois do susto, notou que aquelas coisas mais pareciam retratos de Picasso, sim, olhando bem, as cores, os ângulos, todos os rostos compunham obras modernistas ou cubistas de Pablo Picasso. ZERO pensou na possibilidade de rir, mas engoliu quando voltou a si, aquilo não era normal! Precisava gritar desesperadamente! Também engoliu…
            O trem chegou à estação Luz. ZERO desceu sozinho, voltou-se para o trem enquanto ele partia. Continuou pasmado, agora o que ele temia eram as pessoas acharem que ele estava louco: “Que trem maluco era aquele?”. Olhou para baixo por um instante, depois olhou para os lados, respirou fundo e começou a andar. Subiu as escadas, saiu para a rua e foi andando até o escritório que ficava a uns dez minutos dali, ou eram quinze? ZERO parou no meio da rua: “Onde estou?”, perguntou-se ele. Os prédios estavam todos em ruínas, o céu ficado avermelhado e o sol, que já estava suficientemente alto a esta altura, havia ficado negro, o que era mais estranho ainda, pois se enxergava tudo como se o sol ainda fosse brilhante, apesar de que agora ele não esquentava, na verdade, tudo estava ficando frio, cada ver mais frio. ZERO não sabia mais o que fazer. Definitivamente aquela não era a realidade dele… já tinha ouvido falar em dimensões paralelas, em supostas viagens para outras dimensões, mas não acreditava no que estava acontecendo. O mundo havia virado completamente de ponta cabeça. Foi então que ele viu algo voando alto no ar. Algo semelhante a um pássaro recortado que brilhava intensamente estava dando voltas no céu e fazia um barulho ensurdecedor parecido com o da turbina de um avião gigantesco. A coisa começou a descer próximo a Praça da Sé. ZERO saiu correndo, podia estar com medo, mas queria saber o que era aquilo e, especialmente, saber o que era aquilo. Demorou um pouco, a Sé fica razoavelmente distante da Luz, mas sem os prédios dava para ir um pouco mais rápido.
            Aquilo era realmente muito assustador de tão gigantesco e incomum, ocupava um espaço maior do que aquela praça e comia os destroços da catedral da Sé como se fossem alimento. ZERO não sabia mais distinguir se estava com medo ou maravilhado com aquela “ave do paraíso”, como ele a apelidou. Ouve-se então um barulho e logo depois um terremoto, sucedido de outro barulho. O pássaro se assusta e sai voando. Levantasse então um gigante azul, lembrando aquelas estátuas antigas de Zeus, do onde aparentemente seria a famosa Avenida 23 de Maio, principal via que liga o Ibirapuera ao Centro, cuja via recorta continuamente seus dois lados como um rio profundo. Voltando ao gigante, este parecia estar sonolento, pois se espreguiçava e bocejava. Era algo muito contrastante, um céu vermelho com uma “montanha” azul: “Que artista pensaria em algo assim?”, ZERO não sabia mais se estava pasmado ou maravilhado, as cores pareciam alegrá-lo agora. O gigante, depois de permanecer parado por um bom tempo, pôs a se movimentar para o sul, não podendo mais ser visto.
            ZERO sentou-se no chão e suspirou. Acabou deitando ali mesmo, vislumbrando o céu vermelho. De repente, começou a ouvir barulho: “O que será desta vez?”, pensou. Levantou-se rapidamente, eram barulhos diferentes, uns tic-tics, uns flap-flaps, isso o lembrava alguma coisa, sem saber exatamente o que era. Andou um pouco, ia em direção a Liberdade, os prédios daquela região estavam mais bem conservados do que os da região anterior, provavelmente porque foram devorados pelo “pássaro do paraíso”. ZERO correu, chegando até a Praça da Liberdade, o barulho estava alto, devia estar perto. Começou a descer a Rua Galvão Bueno, chegando à ponte que passa por cima da Radial Leste. Olhou em direção a 23 de Maio, não viu nada. Uma brisa sombria soprou em suas costas, sentiu um frio na espinha, um medo horripilante tomou conta de seu corpo, estava para se virar, quando…
            — Desliga a porra desse despertador moleque!
            — Ahm? O quê?
            — Você bebeu garoto? Levanta que é hora de você ir trabalhar!
            — Que oras são?
            — Como assim que oras são?! São cinco e meia da manhã… e não me vai perder o seu segundo dia de trabalho, ouviu!
            A porta se fecha, um silêncio medonho se fez em toda a casa. Ao jovem ZERO, restava a pergunta: “O que diabos aconteceu… ontem?!”
            ZERO não entendeu nada, era um sonho, realidade, ilusão… Um sentimento muito esquisito o inquietava. Desta vez, estava tudo claro, sabia que horas eram, não apenas por que se pai lhe dissera, realmente ele sabia. Estava atrasado, trocou-se, escovou os dentes, fez a barba. Na cozinha, havia café quentinho na máquina, tomou um pouco e pós o resto numa garrafa térmica pequena para levar para o trabalho. Saiu sossegadamente, chegou à estação no horário para pegar o primeiro trem, haviam muitas pessoas agora, pessoas de verdade. Já dentro do trem, respirou aliviado. Tudo estava tão, tão… normal! ZERO estava rindo a toa. Algumas pessoas conhecidas entre si ficavam cochichando: “deve estar louco” ou “não bate bem da cabeça”. Ele ouvia, mas não se importava, estava seguro de si, amava aquela paisagem natural da velha São Paulo que conhecia tão bem. Chegando na estação da Luz, se lembrava para onde tinha que ir, quais esquinas virar, parecia ter ido lá ontem! Estava feliz.
            No entanto, ao chegar à porta daquele lugar, sentiu um arrepio, uma sensação que já sentira antes. ZERO ficou pálido. Ouviu então uma voz conhecida:
            — E aí cara? — Era Pedro, um conhecido de ZERO que estudou no ginásio com ele e que havia lhe falado sobre a vaga naquele escritório. — Vai entrar ou vai ficar aí olhando?
            — Claro que vou entrar! Não posso desperdiçar o café da minha mãe! — Os dois caíram na risada.
            ZERO passou o dia pensando naquilo, se havia acontecido, se fora tragado para outro lugar. O mais estranho é que ele se lembrava de ter estado naquele escritório, de ter feito aquele caminho, de ter trabalhado perfeitamente e ido embora calmamente ontem. Ambas as coisas estavam em seu pensamento, a ilusão e a realidade, ou seria o contrário?
            No horário de almoço, Zero saiu do escritório e foi de metrô até a liberdade, queria tentar ver o que não pode ver “ontem”. Nada. Estava tudo normal. Já que estava por lá, resolveu comer sushi, era uma boa ideia, não era? Satisfeito de “peixe cru”, como costuma chamar a comida japonesa, saiu do restaurante depois de pagar. Estava um lindo dia!
            Voltando ao escritório, percebeu um pacote em sua mesa. Perguntou a Pedro o que era: — Não sei não, camarada, um cara passou aqui depois que você saiu e deixou isso aí pra você. Tem um cartão esquisito aí… Você não andou aproveitando que está aqui pelo centro e fez besteira ontem, fez?
            — Do que você tá falando Pedro?
            — Olha aí pra você ver! — E virou se para a sua própria mesa.
            ZERO achou estranho, o que poderia ser aquilo? Olhou para o cartão e… ficou pálido! No cartão dizia: “Eu sei o que você viu ontem”.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Devil's Drink - 2# Shot

 Tudo estava perdido, tudo estava insólito, a desgraça se abatera sobre o último império humano. A Terra estava suja de sangue, o céu há muito já não era azul, o ar era pouco respirável. Não existem mais seres humanos...
 A última esperança de o planeta ser novamente povoado é se um pouco de DNA for colocado na maquina clonadora para que novos seres possam ser criados. Essa é a única chance do planeta voltar a ser fértil...
 Procurei em todos os computadores algum resquício que pudesse ser minimamente usado, não encontrei nada. Mas por sorte encontrei algo diferente que talvez pudesse ser usado. Há um pequeno androide perdido por aí que carrega um pouco de DNA em sua composição artificial. Eu saí em sua procura e me perdi na imensidão do deserto de árvores de concreto e aço.
 Um dia, caí em um buraco, quando as minhas forças estavam para acabar. Porém, finalmente eu havia encontrado! O androide estava intacto, preservado pela animação suspensa em que fora colocado. Nos computadores verifiquei a data, ele estava ali a mais de vinte mil anos! A criptografia era estranha pra mim, mas pude decifrá-la e iniciar o protocolo “ACORDAR”. Era um alívio para mim, finalmente poderei trazer de volta meus mestres. A cápsula se esvaziou e se abriu. De dentro dela, uma criança acordava:

-Arrrrrh... – O androide bocejou e esfregava os olhos. – Já está na hora de brincar?
-Au! – Eu disse.
-O que um cachorro esta fazendo no... laboratório! – Quando finalmente podia enxergar o androide se assustara com o estado do laboratório, velho e destruído. – Pai? Pai?! O que aconteceu aqui?!!!
-Por favor, me escute. Não temos muito tempo, precisamos chegar até o centro da máquina clonadora e usar o seu DNA para recriar a raça humana e...
-Ahhhh!!! – O androide chorava alto.
-Por favor, não chore!
-Sai daqui! Eu não quero que me morda! Pai?! Me ajuda! Onde está você?!
-Eu não vou te morder... – O androide continuava a espernear e a chorar. – Já sei o que você precisa!

 Saí para procurar comida e encontrei alguns tubos de nutrientes. Levei-os para o androide:

-Coma, deve estar com fome. – Empurrei os cilindros com o focinho.
-O que é isso? – A barriga dele roncava.
-É só abrir... – Logo a criança tentou abrir de várias maneiras, tentou de um jeito, tentou de outro, batia o cilindro pra lá e pra cá. Não conseguindo, voltou a chorar. – Você só precisa apertar o botão no meio...

 O androide finalmente havia conseguido abrir e virou o liquido verde na boca. Devia estar esfomeado. De repente ele começou a fazer uma cara feia, esperou um pouco e engoliu a seco:

-Credo! Que troço nojento é esse!
-É comida...
-Você não tem nenhuma maçãzinha, cachorrinho?
-Maçã? Maçã... Não, não consta no meu banco de dados. Está extinta a mais de mil anos. – O androide começou a fechar a cara de novo. – Por favor, não chore!
-Há quanto tempo estou aqui? – Seu rosto estava triste.
-Vinte mil anos. Segundo constam as datas do computador, no tempo em que humanos ainda não conheciam vida extraterrestre.
-E meu pai? Onde está o meu pai, cachorrinho? – Lágrimas começavam a escorrer pelos seus olhinhos castanho-avermelhados.
-Receio que ele se foi junto com os outros. Não há nenhum ser humano no planeta.
-...
-Está tudo bem? Precisamos ir...
-Eu tinha brigado com ele...
-Au?
-Eu não pude pedir desculpas. Eu só causava problemas no laboratório. Todos diziam que eu devia ser desativado. Meu pai insistia para com eles que tivessem paciência. Eu não gostava deles, eles me olhavam estranho. Meu pai disse que eu deveria ir dormir e que tudo ficaria bem no dia seguinte. Agora nunca vou poder dizer o que realmente sentia pelo meu pai...
-Criança, não chore... Temos algo importante pra fazer! Com a sua ajuda, os humanos poderão voltar a habitar o planeta! Venha comigo até a clonadora!
-Eu poderei rever meu pai?
-Claro! Au!
-Por favor, cachorrinho. Me leve até esse lugar, eu quero meu pai de volta...
-Sim, mas nada de choro!
-Sim. – Ele esfregou os olhos. – É muito longe, cachorrinho?
-Por favor, não me chame de cachorrinho, meu nome é Prospero. Aliás, qual é o seu? – O androide virou-se para o tubo em que estava a pouco e olhou para o topo.
-E... R... O... S... Eros. Meu pai me ensinou a ler o meu nome. – Ele sorriu.
-Que bonito nome. Au! Vamos, não temos tempo a perder!
-Ahn, cachorrinho, como foi que você aprendeu a falar?
-Eu não falo, au! A minha coleira está equipado com leitor de pensamentos que reproduz o que penso como voz. Meu mestre me ensinou a usá-lo para que eu pudesse encontrar DNA humano para a clonadora.
-Onde está o seu mestre?
-Ele morreu há cinco anos, era o último humano na Terra. Eu não tenho muito tempo, a vida de um cão dura cerca de treze anos, e eu já tenho dez. Precisamos ir. – Fui para trás de Eros e comecei a empurrá-lo.
-Vamos cachorrinho, calma...

 Saímos daquele antigo laboratório e fomos para as ruas da cidade. Quando finalmente viu a luz vermelha do dia, Eros ficou admirado, se sentia menor do que nunca ao ver os gigantes prédios de quilômetros de altura que iam até as nuvens. Suas cores escuras se contrastavam com o céu colorido. Naquela região haviam diversos canos que formavam um imenso labirinto, enquanto alguma água ainda os percorria, fazendo com que pingos se ouvissem por todos os lados. Eu já estava acostumado com a paisagem, porém Eros ficou estático por algum tempo:

-Vamos! Não temos tempo a perder!
-...
-Eros acorde! Temos que seguir em frente!

 Acho que nunca vou entender o sentimento daquele pequeno androide que estava preso por tanto tempo, que tinha memórias de um mundo desconhecido para o futuro, que estava perdido num mundo devastado e praticamente sem vida e que ansiava rever um pai que talvez não voltasse:

-Está tudo bem Eros? – Perguntei-lhe.

Ele, em toda sua infantilidade, não conseguiu dizer outra coisa senão:

-Que grande!

quinta-feira, 29 de março de 2012

Devil's Drink - 1# Shot

 A perseguição era implacável, eu não conseguia afastá-lo de mim. Corríamos feito loucos, ensandecidos... Confesso, estava me divertindo!
 O caçador era daqueles que nunca perdem uma única presa, deveria ser isso mesmo para trabalhar para a seita. Não tenho nada contra eles, mas eles só pegam no meu pé! Me deixem em paz!
 Enfim, depois de tanto correr, chegamos a uma clareira no meio da floresta da neblina, onde ele havia me preparado uma armadilha. Um pouco óbvia até, ele deve ter pensado que eu estaria cansado. Eu sorri, eu nunca me canso por correr, não mais.

 Agora sou En’hain, um draconiano que superou as expectativas da raça ao adquirir poderes superiores e desconhecidos quando recebeu o sangue místico dos dragões.
  A rede em que ele me prendera era de lasers, contanto que eu destruísse o projetor eu me livraria fácil. Joguei a minha faca, não estava difícil de acertar, não fosse a minha surpresa, o troço explodiu e me levou alto no céu, acima das grandes árvores. Caí pesado no chão e o caçador se aproximou:

-Heheh. Te peguei gracinha...
-Pegou o cacete! – O caçador olhou para trás.
-Mas, argh! Eu te pego desgraçado!!!
-Mas nem fudendo! Não sou urso pra você me fazer de carpete!

 O caçador tirou o charuto da boca e jogou a bituca no chão. Encheu bem os pulmões, inflando como um balão e deu uma grande baforada, empesteando a clareira com a fumaça:

-Nossa! Não sabia que você era uma chaminé! Aceita uma balinha de hortelã pro mau hálito? – Não dava pra ver mais nada.

 De repente, ele vem pra cima de mim transformado numa fera com músculos estourando de grandes e veias saltando. Fiquei sério. Ele era grande, mas era um só. Saltei e alcancei o topo de sua cabeça, conseguindo passar para o outro lado:

-Que foi? Bichinho tá com raiva é? – Falei com desdém. – Se é para se transformar, então vou deixar você ver minha verdadeira forma... Isto é, se você sobreviver!

 O monstro deu um urro medonho, e partiu pra cima de mim novamente, dessa vez mostrando as garras. Meus sentidos estavam ficando aguçados, sentia me tremer por dentro como se fúria e alegria se misturassem. Estava agitado. Da minha pele brotavam escamas prateadas que rasgavam minha carne e deixavam meu sangue pingar. Aquilo nunca deixou de doer. Aumentei meu punho e dei um soco no caçador, jogando ele de lado. Para minha surpresa, atrás dele vieram três granadas que explodiram em mim, depois que eu o tirei da frente. Minha roupa ficou em chamas:

-Droga, o safado é mais esperto do que aparenta. – Eu ficara meio zonzo com o zumbido.

 Em sequência, mais granadas vieram e por fim suas garras chegam ao meu pescoço:

-Te peguei sua peste miserável! Quais são suas últimas palavras?
-...
-Ah, é mesmo, não consegue falar. Se é assim... – Creck, ouve se o barulho dos ossos se que quebrando.
-Hihih...
-Ahn?
-I LIKED... – A pele do meu rosto começou a cair. Meu rosto queimava, não como fogo, mas como ferro derretido que brilhava. Meus olhos estavam fundos e vermelhos, não havia lábios para cobrir os dentes serrilhados e algo como vapor saía da minha boca enquanto eu falava. Meus braços se esticaram em torno do braço do caçador que me segurava; espinhos cresceram e perfuraram o caçador que me jogou longe por causa da dor.
-Seu miserável! – Para o caçador só restava uma última bomba, a mais forte que ele tinha. – Tome isso!

 Ele jogou a granada na direção em que tinha me jogado. A explosão foi tão grande que até o próprio caçador foi jogado pra trás.

-Isso deve ter dado um jeito nesse desgraçado!
-Eu estou bem aqui! – O caçador olha pra trás, o sangue lhe sobe a boca e ele cai.

...

 De repente, ele desperta num lugar desconhecido:

-Onde estou?! – Ele se assusta.
-Na minha casa. – Falei bocejando, enquanto acordava por ter esperado por tanto tempo ele acordar.
-... - Ele olha pra janela e tenta escapar.
-Onde você pensa que vai?! – Seguro ele pelo braço.

-Me larga!
-Você está mal! As suas feridas ainda não cicatrizaram!
-O que você quer de mim! Me largue!
-Que você melhore, oras!

 Ele para por um instante:

-Me faça um favor, fique e se recupere.
-Você é meu inimigo, eu te cacei... Como você quer que eu fique? Se eu tiver a chance EU VOU te matar.
-Não me interessa! – Eu gritei. – Não te considero uma ameaça, muito menos um inimigo. Só quero que fique bem.

 Ele voltou à cama, meio a contra gosto e se deitou.

-Vou trazer uma sopa, descanse.


Saí e fechei a porta.

quarta-feira, 28 de março de 2012

APRENDENDO A AMAR

Quando pensei
Que a única forma de ser feliz
Era chorar,
As lágrimas não correram;
Acabei me consumindo em ódio!

Não entendi o porquê,
Eu queria chorar um pouco,
Apenas um pouco...
A raiva me queimava a alegria,
Eu seria tão inútil assim?

Numa inconstância minha,
Na verdade, numa constância...
Saí, andei por aí,
Busquei reposta,
Mesmo não havendo ninguém...

De fato, ainda não me livrei
Das trevas que tanto me atormentam.
Mas pensei em mim,
Porque eu não me permito?
Porque eu não deixo acontecer?

Sei dos planos do Pai,
Sei que ele nunca me abandonou,
Fui eu que me separei,
Me exclui, e, por pouco,
Quase me apaguei...

Tenho sorte,
Uma pequena luz que me habita,
Nunca se apagou,
Apesar de pensamento e palavras,
Desejarem destruir tudo...

Não tenho amigos...
Desculpa-me se falo assim,
Eu não mereço as pessoas que tenho,
Pois ainda não mostrei quem eu sou,
Ainda sou um nada, um inútil...

Revelo apenas que quero mudar...
Não posso deixar de ser quem sou,
Porém, a mente que se abre ao conhecimento,
Não torna a ter o tamanho anterior,
Nem a antiga ignorância de antes!

Hoje, abro meu coração
Para que entre
Meu primeiro amor,
Seja quem for,
Seja onde estiver...

Quero apenas ser feliz,
Quero que tudo dê certo,
Pois, quando te encontrar quero,
De todo coração,
Aprender a amar!