“Nem tudo aquilo que
queremos pode se tornar realidade...”
Ele estava
sendo arrastado até um quarto, onde foi jogado lá dentro com total desprezo
pelo sequestrador:
–Entre aí
seu desgraçado! – Falou um dos sequestradores ao jogar ele na cela.
–...! – Sua
vontade era de falar poucas e boas para o sujeito, mas suas condições após os
sucessivos espancamentos o deixaram muito debilitado.
–Vamos
falar com o chefe e deixar esse daí no escuro. – Disso o outro sequestrador.
Passado
algum tempo, ele começou a pensar em como aquela escuridão o lembrava de uma
pequena história sobre os nekos como ele. Os nekos, homens-gato, eram seres
muito desprezados pelos seres humanos, tratados com indiferença muitos ficam
sempre no anonimato, sucumbindo à miséria como qualquer vira-lata. Existem
pessoas que tratam bem os nekos, porém deve se ressaltar os que os detestam,
que nesse caso, sequestraram este para conseguir informações sobre o segredo
dos nekos, um tesouro misterioso que dizem ser muito precioso.
Ele lembrou
se também da sorte ou do azar que é ser neko, ser desprezado. No começo eles
aparecem em uma pequena caixinha, não se sabe de onde. Eles estão lá dentro,
esperando sair, sem nem saber se existem, apertando suas caldas para terem
certeza de que estão vivos. A vida é tão cheia de dívidas. Alguns anseiam por
sair de lá de dentro, inventando suas próprias histórias sobre os sons que
ouvem do lado de fora. Outros sentem apenas amargura, não acreditando na
possibilidade de uma existência fora da caixinha. A surpresa vem sempre na hora
em que seus pequenos olhinhos veem pela primeira a luz e as cores do mundo exterior.
Aqueles que têm a honra de presenciar tal momento costumam se maravilhar com o
pequeno milagre e cuidar do neko, às vezes como bichinho de estimação, às vezes
como parte de sua própria família.
Este neko, porém, teve uma vinda
ao mundo de maneira diferente. Não se sabe exatamente como, sabe se apenas que
a caixa abriu e que não havia ninguém lá. Ele viveu uma vida solitária, cresceu
em meio ao desprezo e aos furtos para sobreviver com migalhas, tinha sorte em
nunca ser pego. Quando já parecia um homem e seus poderes mágicos estavam
plenos, disfarçou-se de humano e procurou viver como um. Conseguindo
trabalhinhos em lugares também menosprezados, o neko se tornou amigo de algumas
pessoas, conseguiu se estabelecer em um quartinho alugado. Vivia normalmente
como humano. Até conseguiu comprar um computador e se conectar a internet! Ele
fazia sucesso, sua visão de mundo era muito influente, apaixonante deva-se dizer.
A maneira como tratava as pessoas por conhecer o desprezo gerava respeito nas
pessoas. Bem, era o que se pensava.
Existem
pessoas muito ruins nesse mundo, as piores são aquelas que colocaram na cabeça
que determinadas pessoas só merecem o pior. E assim se fez. O neko não sabia,
mas, ao desprezar uma garota apaixonada por ele que o conhecera na internet,
ela se revoltou e começou a criticá-lo anonimamente pele web. Chegou até a
mandar hakear o computador dele para conseguir informações. Nesse meio tempo, o
hacker, que trabalha com essas pessoas gananciosas que não se importam com a
vida e que havia hackeado o PC do neko, descobriu a verdadeira identidade dele.
O resto é história...
Não foi
difícil encurralá-lo e sequestrá-lo. Muitas vezes ele andava só à noite como
nos tempos de sua juventude em que procurava algum abrigo. Agora, naquele lugar
escuro, que lhe lembrava assustadoramente a sua antiga caixinha, ele se sentia
mais sozinho do que nunca. Ele pensava: “Onde estão àquelas tantas pessoas que
diziam ficar admiradas com ele”? Provavelmente nem notaram que seus perfis nas
redes sociais foram deletados, que tudo que ele tinha construído na net com
muito esforço e trabalho havia sido completamente apagado. Sentiu uma grande
tristeza, um vazio que lhe penetrava os pensamentos, dissolvendo por entre seus
dedos qualquer esperança que tivesse de ser encontrado. “Era a lei dos homens”,
ele pensava, “desses malditos homens”!
De repente,
ouviu um alvoroço do lado de fora. “Provavelmente estão vindo me matar”, pensou
ele. Porém, o barulho era diferente, eles estavam brigando com alguém. A porta
se abriu e alguém foi jogado lá dentro. Um dos sequestradores falou:
–Filho da
puta miserável! Você ainda me paga pelo que você me fez! Depois eu te dou um
trato com a minha navalha. – E fechou a porta.
O neko não entendeu
o que aconteceu, pensou em algo depois de ouvir os sequestradores do lado de
fora:
–Quem foi o
idiota que trouxe esse miserável?
–Foi ele
Navalha!
–Quem disse
pra você trazer esse miserável, viu o que ele me fez?!
–Eu posso
explicar. Encontramos ele na casa do gato mirrado. Quando verificamos seus
pertences ele tinha um pendrive que pode lhe interessar muito. Tem muito
conteúdo o sobre o gato, mais do que encontramos no computador dele.
–Veremos...
– A conversa cessou.
O neko
olhou para o novo companheiro e perguntou:
–Você está
bem?
–Dark, é
você? – O neko se assustou, esse era o seu nickname nas redes sociais.
–Você me
conhece?
–Bem, nós nunca nos vimos...
Engraçado, nunca pensei em te encontrar assim.
–Qual é o
seu nick? Não te reconheço de nenhuma conversa que tive.
–Meu nick é
En’hain, lembra-se?
–O cara que
é apaixonado por mim?
–Tá tão na
cara assim ANIKI?
–É você
mesmo! Alegrou-me em vê-lo num lugar como esse. Como vieste parar aqui? Ninguém
soube que eu sumi!
–Heh... Eu
estava preocupado. Num momento você para de responder e pouco tempo depois os
recados que você havia deixado no meu perfil haviam sumido. Eles eram muito
importantes pra mim e sei muito bem que quando um recado perde o seu originador
ele se torna anônimo e não some como aconteceu.
–Sério?
–Sério!
Darkinho é muito importante pra mim, vim da minha cidade até aqui para saber de
você. Como a cidade não é muito grande comecei pelas praças, procurando uma
parecida como aquela em uma das suas fotos. Precisava ficar de costas?
–Não gosto
de fotos...
–Aff... Bem
do seu feitio. Assim fica difícil te encontrar, apesar de que me parece que não
foi difícil para os brucutus lá de fora.
–Eu não sei
direito como isso aconteceu...
–É porque
ANIKI é neko de verdade, não é?
–Como você
sabe?
–O que você
escreve é muito lindo. Eu já conhecia a lenda dos nekos, chego a pensar que
queria que fosse verdade. Foi conversando com você pelo messenger que reparei
no seu cuidado especial com o que escrevia, como se você realmente fosse um
neko. Dizem que os nekos são grandes poetas que nunca foram descobertos.
Fuçando na sua casa que, aliás, estava com a porta escancarada, percebi algo
escondido entre o chão e a mesa de centro...
–A minha
caixa!
–Calma,
eles não a encontraram, talvez quase o fizessem. Mas recoloquei a mesa no meio
da confusão que fiz quando me pegaram.
–Quer dizer
que foi a minha caixa que me denunciou?
–Foi. Ela é
muito linda. Um requinte todo especial, bem adornada, apesar de simples. Sinto
até arrepios. Eu realmente estou do lado de um neko!
–Pena
estarmos presos e no escuro. Já verifiquei o lugar, não tem janelas nem
qualquer entradinha que seja.
–Acho que
eles já estão bem longe...
–Por quê? O
que foi... O que você tá fazendo?
–Não dá pra
pegar o celular com as mãos amarradas desse jeito. Essas porcarias plásticas de
amarrar que não abrem mais estão me machucando.
–Você disse
celular? Onde está?
–Tá aí
atrás, se você puder colocar a mão... juro que isso pode nos tirar daqui.
–... – O
neko achou estranho, mas pensando bem ali era um bom lugar para esconder o
celular para que ninguém o pegasse. – Peguei!
–Desculpe
pelo momento constrangedor...
–Nyaaaa...
Que é isso? Só tento no que posso!
–É você
mesmo! – En’hain ligava para a polícia. – Alô?
–Em que
posso estar ajudando?
–Moça, eu fomos
sequestrados, eu e meu amigo. Estamos no cativeiro, precisamos de ajuda, não
sei quanto tempo os sequestradores vão ficar fora...
–Por favor,
fique na linha, a ajuda estará a caminho...
Algum tempo
depois, a porta se abriu:
–Mas que
porra é essa?!
O
sequestrador chamado Navalha viu En’hain com o celular na mão. Entrou de supetão,
tirou o celular de En’hain e o tacou no chão. Pegou ele pelo braço e o levou
para fora. Dark tentou impedi-lo, mas foi jogado contra a parede.
Ao fundo
ouviu-se a sirene dos carros policiais. Eles invadiram a casa enquanto os
sequestradores fugiam. Dark tentou forçar a porta, tirou coragem não se sabe de
onde e conseguiu abrir. Mais a frente, depois do corredor, encontrou En’hain no
chão.
–En’hain?
En’hain? Me responda! – Dark sacudia o amigo incessantemente.
–Dark...
sua calda, eles não podem ver... – En’hain sorriu vagarosamente e tocou a face
de Dark com todo carinho.
–En’hain!
Você está sangrando!
...
No
hospital, En’hain foi tratado e passava bem. Dark o visitava todos os dias que
podia, apesar de não poder entrar, só eram permitidos familiares e até que um
familiar chegasse da outra cidade para ver En’hain, ninguém poderia entrar na
sala. En’hain pedia para os enfermeiros deixarem entrar, mas eram regras do
hospital:
–Malditas
regras! – Disseram os dois, um no quarto junto com os outros doentes e outro na
recepção do hospital.
Dark não
aguentou por muito tempo. Depois de uma semana sendo negada a entrada ele
resolveu invadir assim mesmo. Assumiu sua forma de gato-animal e entrou
sorrateiramente para dentro do hospital no meio da noite, quando os doentes são
deixados pelos enfermeiros para dormir. Encontrando En’hain, voltou à forma
humana:
–En’hain,
acorde, eu vim te ver. – Dizia sussurrando.
–Sabia que
viria... – En’hain segurou na mão de Dark ainda sonolento. – Escuta, tem algo
que eu queria que você fizesse.
–Sim, pode
dizer.
–Eu me
hospedei num hotel e deixei algumas coisas lá, você poderia me trazê-las?
–Claro!
Agora mesmo eu trago!
–Obrigado.
–En’hain disse onde ficava o hotel.
–Eu já
volto, espere por mim! – En’hain voltou a dormir.
Dark
conhecia o lugar, já havia trabalhado lá. Não era assim muito bom, ou ele era
estabanado demais, o que importava é que dava para pagar as contas. Sabia um
bom atalho para chegar lá. Foi o mais depressa possível. Chegando lá, falou com
a recepcionista, uma conhecida sua, que liberou a entrada dele no quarto. “Já
estava previsto que você viria”, ela disse. Dark não entendeu, mas não ligou,
estava afoito para voltar ao hospital. Na cama havia uma caixa: “Deve ser
isso”, pensou. Com o pacote em mãos, voltou o quanto antes para o hospital.
Chegando
lá, se deparou com algo horrível, o hospital estava em chamas, todas as alas
sendo carbonizadas. Quem estava na recepção se salvou da explosão. Dark estava
chocado:
–Não pode
ser! En’hain, por quê?! – Dark ficaria olhando o hospital queimar se os
bombeiros não tivessem afastado.
Com muita
dor no peito, Dark seguiu andando com aquele pacote que o amigo havia lhe
pedido. Andou, andou, andou... Andou durante a noite toda. Quando já estava
para amanhecer e novas cores despontavam no céu escuro, Dark chegou a um
parquinho, ao mesmo parquinho em que havia tirado aquela foto que ajudou
En’hain a encontrá-lo. Sentou-se no balanço e ficou olhando para o pacote.
Resolveu abri-lo. Dentro haviam dois bonecos customizados como os avatares que Dark
e En’hain usaram em uma rede social. Ele sorriu e encontrou também uma carta,
endereçada a ele, que dizia:
“Caro Dark, sei que você gosta desse tipo de
boneco e como não resisti em fazer um do seu avatar, fiz um do meu também. Foi
muito interessante ser um dollmaker, pena não poder estar aí para ver a sua
cara. Não sei como explicar o que aconteceu, só sei que “eles” queriam alguém
morto, por um acaso era você e como eu entrei no meio, eles vieram atrás de
mim. Me desculpe. Ichi lieb dich.”
Dark fechou
a carta, colocou os bonecos novamente na caixa e voltou para casa. Lá, pegou
sua caixinha, seu bem mais precioso, abriu e colocou os bonecos dentro. Pegou
uma velha mochila, colocou sua caixinha dentro. Saiu de casa e nunca mais
voltou.
OBS.: Este texto é uma homenagem a um grande amigo virtual que teve seu perfil hackeado e excluído, impossibilitanto qualquer contato meu com ele. Isso não reflete a realidade, é apenas devaneio meu. Mas, tenho saudades das conversas com ele, meu ANIKI do kokoro, Walter S. Reis. Ich lieb dich - foi você que me ensinou isso...
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